O que não se falou após a morte de Elizabeth II, Jô Soares e outras celebridades

O que não se falou após a morte de Elizabeth II, Jô Soares e outras celebridades

Sempre que uma celebridade morre eu preparo meu estômago. Porque sei que as redes sociais vão ser inundadas de mensagens. A maioria é apenas banal. Mas o pior é que muitas revelam dois comportamentos detestáveis: o vampirismo do luto e o ativismo de bar. Duas mortes recentes geraram um dilúvio de demonstrações disso: a da Rainha Elizabeth II e a de Jô Soares. Se você exibiu alguns desses comportamentos que eu vou citar, não fique bravo comigo. Vai ver você fez o que fez de forma inconsciente (não sei, não…). Mas deixo a dica: evite fazer de novo.

No caso do Jô Soares foram dezenas de exemplos. Muita gente usou a morte de Jô Soares para ostentar a si mesmo. No dia da morte elas postaram vídeos de entrevistas que deram no Jô Onze e Meia, autógrafos que ganharam e fotos que tiraram com ele. Quem era íntimo dele tinha até razão para fazer isso. Mas a maioria não era íntima coisíssima nenhuma.

Jô Soares teve uma vida digna de aplausos. Mas, para essas pessoas, ficou parecendo que a coisa mais importante que ele fez foi ter passado alguns minutos iluminados com elas. E que foram iluminados só para o fã, para o Jô foi só mais um dia qualquer. É como dizer que a vida do falecido ficou mais significativa apenas porque conheceu você. Sei lá, eu acho estranho. Eu mesmo gostava do Jô pelos livros e programas, sem nunca ter encontrado o cara. E se isso acontecesse não mudaria nada. Tirou uma foto com ele? Ótimo. Mas na morte dele isso é ruído. É a obra que se encerra que importa.

No caso da Elizabeth II o que rolou é aquilo que acontece no bar depois da 3 ª dose. Alguns começam a fazer discurso, destilando a fúria revolucionária que têm dentro. Quando todos já estão bêbados no bar é até divertido, todo mundo se inflama junto, vai dormir e no dia seguinte acorda de ressaca para trabalhar. É meio inofensivo e dá às pessoas a impressão de que elas podem arrumar o mundo, mesmo que não saibam nem arrumar o próprio quarto.

Mas fazer isso com todo mundo sóbrio é chato. Muita gente aproveitou a morte da Elizabeth para encarnar o ativista de carteirinha, acusando a Rainha de ser a representante máxima do império do mal. De fato, a Inglaterra barbarizou por aí. Mas não foi só ela. A lista é gigante e inclui EUA, Japão, Rússia, Itália, Alemanha e uma penca de países. Incluindo o Brasil. Quando invadimos o Paraguai no século 19 nós tocamos o terror também. Nem por isso os futuros presidentes do Brasil devem ser demonizados por isso.  Com exceção do Bolsonaro. Ele merece ser demonizado por qualquer coisa.

Óbvio: Elizabeth aproveitou a riqueza de um país que saqueou vários outros. Mas aposto uma grana que os revoltadinhos também aproveitaram. Se é para a Rainha abrir mão do que a Inglaterra construiu com seus saques, então que os ativistas também abram. Talvez não houvesse Harry Potter e Rolling Stones se o Reino Unido não fosse o que é. A propósito: o futebol e o telefone são invenções deles, ok? Topa abrir mão de tudo isso? Eu tô de boa. Não vou abrir mão do meu gin. A família real pode ficar sossegada.

O problema é que, no fundo, tudo se resume a pura vaidade. Mas tem mais: não sabemos o que fazer com a morte. Achamos que temos que falar alguma coisa quando trombamos com ela. Mas não temos. Adote uma regra básica dos velórios: se não souber dizer algo que preste, não diga nada, apenas “sinto muito”. O foco é a pessoa que está partindo. Não tente impressionar. Muito menos aproveitar o momento. Quando alguém morre, dê a ela a oportunidade de ser o centro das atenções. Um dia é você que vai estar no caixão. E ficaria puto se alguém se aproveitasse de você até quando está morto. Eu ficaria.

E falando francamente, fazer vampirismo de luto e ativismo de bar diante da morte é um bocado brega e besta. Evite dizer algo profundo sobre a morte, porque provavelmente vai dizer uma cafonice qualquer. A não ser que você seja o John Cleese, que fez um discurso memorável ao se despedir de um de seus parceiros de Monty Python. Procure no Youtube por “Monty Python Legendado Memorial de Graham Chapman” e veja o divertido discurso que ele faz.      

Mas você não é John Cleese. Então fique quieto e deixe o cortejo passar. Obrigado.