As pesquisas de Galileu Galilei sobre a forma como se apresentavam as evidências científicas acerca dos mais variados eventos que importam para a humanidade continuaram pelas mãos de seu sucessor direto, o inglês Isaac Newton (1643-1727), que enunciou as leis da mecânica determinista clássica. Tomando os fundamentos de seu estudo primeiro, Newton pôde elaborar novas conjecturas, depois ratificadas, no que concerne a, por exemplo, o lugar que ocupam as massas celestes, para onde se deslocariam, em que velocidade e quanto tempo levariam para concluir toda a operação. Newton, por sua vez, foi sucedido pelo alemão Albert Einstein (1879-1955) que, valendo-se das leis do movimento e da gravitação, concebidas pelo inglês, portava todo o cabedal necessário a fim de sustentar sua teoria da relatividade, essencial para se tentar entender a ordem tão particular do universo, um emaranhado de astros, estrelas, planetas e tantas outras estruturas que vagam desde o princípio dos tempos em alguma parte sobre nossas cabeças. A continuação da vida na Terra depende da investigação permanente e do aperfeiçoamento de todas essas ideias, a fim de garantir que se afaste a possibilidade de eventos inesperados, que nunca deixaram de se dar, sem maiores consequências. Entretanto, o homem não ajuda nem a ciência, muito menos a natureza. A humanidade também é movida a desordem. Nunca satisfeito com nada e sempre disposto a colocar à prova o mundo, o sistema, o outro, a si mesmo, o gênero humano parece querer botar a perder todas as conquistas que fez ao longo de milênios de um processo evolutivo lento, a começar pela própria civilização.
Talvez seja mesmo verdadeira a filosofia barata que alardeia que só o amor — mesmo com as suas muitas imperfeições — salva, como se assiste em “Orgulho e Preconceito” (2005), do britânico Joe Wright, ainda que exija de nós tantos sacrifícios e renúncias muitas vezes perversas, a exemplo do que se tem ao longo do enredo de “Big Fish e Begônia” (2018), dos chineses Liang Xuan e Zhang Chun. Alivie o saco cheio do ano ainda longe do término, da loucura mundana, da estupidez dos homens, com esses e mais cinco filmes no acervo da Netflix, produzidos entre 2022 e 2005. Acredite: é o melhor que a gente pode fazer.
Pelos vestígios que alguém deixa, é possível conhecer um pouco de como viveu, o que passou, que postura assumiu nos diferentes momentos de sua trajetória. “A Escavação”, do diretor Simon Stone, vai fundo nesse argumento a fim de contar a história de uma jovem viúva que passa por mais um embate pessoal depois da morte do marido. Em 1939, às vésperas da Segunda Guerra Mundial, Edith Pretty e o filho Robert continuam levando a vida como podem, apesar das vicissitudes pela perda recente. Pequenos montes de terra na propriedade em que moram, em Suffolk, na Inglaterra, lhe despertam a curiosidade e ela recorre a Basil Brown, arqueólogo amador, a fim de saber o que pode haver ali. Brown de fato descobre algo importante, tanto que a notícia se espalha e até o Museu Britânico demonstra interesse pelo que existe de misterioso no terreno de Edith. Enquanto Brown conduzia as escavações, afloravam também sentimentos, igualmente plenos de relevância. Em meio a tantas reviravoltas, Edith, mãe extremada, retém o quanto pode a devastadora melancolia que a consome devido a uma grave doença, a fim de poupar o filho, mas ao mesmo tempo, teme pelo destino do garoto. A trilha, decerto mais um dos trunfos da produção, acompanha o processo de desgaste emocional a que a viúva se entrega, bem como a ambientação da história, que acertadamente opta por cenas pontuadas pelo cinza dos dias de tempestade e uma condução mais sutil. Se a intenção do filme foi transmitir alguma lição ao espectador, Stone pode se considerar realizado. Em “A Escavação” fica claro que a vida vai muito além da superfície.
A fantasia épico-dramática dos diretores Liang Xuan e Chun Zhang impressiona, tanto mais por se tratar de gente nova no ramo. A qualidade técnica, a forca da mensagem, a precisão poética do roteiro, tudo conspira para que “Big Fish e Begônia” tome o espectador de assalto e fique por ali, cavando um espacinho no coração do público. O filme começou a ser pensado 12 anos antes do lançamento, e cada minuto parece ter sido crucial. O que se vê na tela é a realização de um sonho, e aqui não vai nenhuma metáfora gasta. Liang Xuan vira enquanto dormia a história de um peixe que ia crescendo até não caber mais em lugar algum se não o mar. O parceiro entendera a mensagem, que poderia dar em enredo para um bom filme sobre liberdade, escolhas, amadurecimento. Em 2004, começaram a trabalhar, primeiro sob a forma de curta-metragem. Chun é uma espécie de criatura mitológica, habitante de um mundo paralelo logo abaixo da superfície do oceano. O céu de Chun é a parte mais abissal do mar. Ao completar 16 anos, é submetida ao rito de passagem para a vida adulta de seu povo. Sob a forma de golfinho vermelho, é despachada para observar os homens — e esse é o verbo adequado. Não é permitida nenhuma aproximação, a fim de que se preservem as duas espécies. Mesmo considerando a regra temerária demais, Chun cumpre as ordens e se deslumbra com o que pode vivenciar. Já no caminho de volta para o seu mundo, fica presa numa rede de pesca. Quem a salva é o menino que havia conhecido ao chegar, que corajosamente se lança ao mar a fim de salvá-la. Chun se desprende da rede, mas o garoto morre. Num terrível drama de consciência, ela o resgata, e vai atrás do guardião de almas, um ser meio demoníaco com quem negocia a ressurreição dele, sob a condição de que lhe reserve metade de sua vida. Transformado num peixe, chamado de Kun pela nova amiga, será assistido pela menina até que possa retomar sua vida. Como o guardião lhe advertira, a presença de Kun num mundo que não é o dele traz complicações, como o desequilíbrio no ecossistema. O intruso passa por situações vexatórias e até repugnantes. A situação torna-se ainda mais delicada quando Chun e Qiu, o amigo que nutre uma paixão secreta por ela, sabem que Kun, na verdade, fora renegado por seu povo, que o queria fora da comunidade, e agora que ele começa a se recuperar, não o quer de volta. À luz da filosofia oriental, mais precisamente o taoísmo, no caso do filme, a história serviria como uma espécie de alerta sobre como o homem será encarado no além-vida, ou seja, de acordo com seu comportamento no mundo da matéria. A desdita de Kun talvez fosse mesmo o que lhe reservara o mundo divino, e Chun fora imprudente ao se envolver. Desde o princípio dos tempos, o homem sempre teve a possibilidade de fazer a escolha que lhe conviesse, desde que fosse capaz de arcar com as consequências de seus atos. A aura de fantasia aliada ao místico é um dos grandes momentos de “Big Fish e Begônia”, um filme que ensina, ainda que passe a impressão, à primeira vista, de ser só mais uma das muitas animações de algum país distante.
O enredo desse drama sobre a Segunda Guerra Mundial — com tudo o que um filme sobre a resistência frente à dominação alemã tem de mais lancinante — gira ao redor de Francesc Boix, ex-soldado que servira durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), e fora feito prisioneiro em Mauthausen, um dos campos de concentração nazistas quando do advento de mais uma série de batalhas, dessa vez em escala global. Ele é requisitado para atuar como fotógrafo do diretor do campo, o oficial Paul Ricken, registrando o desempenho das tropas germânicas. Testemunha involuntária da história, Boix fica sabendo que a Alemanha não será páreo à contraofensiva dos Aliados, o que suscita nele a obsessão em manter a salvo tudo o que pôde documentar por meio de suas fotos, a fim de não permitir que os líderes nazistas tivessem qualquer tipo de benefício num futuro julgamento.
Às vezes, os astros convergem, o universo conspira a favor e o cinéfilo, especialmente o que se dedica a cascavilhar filmes no campo árido do mundo digital, se depara com algumas boas surpresas. “Divinas”, da neófita Houda Benyamina, passa batido do grande público, apesar de ter vencido o prêmio de Melhor Filme de Diretor Estreante em Cannes. Merecidamente, a produção teve o fôlego renovado ao ser indicada ao Globo de Ouro, como Melhor Filme Estrangeiro de 2016. “Divinas” parece uma releitura de “Cidade de Deus” (2002), de Fernando Meirelles, ao retratar pessoas com uma origem em comum, mas que optam — e perseguem — uma trajetória distinta. Em “Divinas”, há Djigui, o garoto que não se seduz pela vida nem tão fácil do tráfico e se torna um artista, como o Buscapé do longa brasileiro, mas há também Dounia, que aspira à vida de crime e ostentação, à medida que convive com Rebecca, traficante já estabelecida no gueto em que vivem. É claro que a protagonista não tem a mais pálida ideia do que seja viver do tráfico, dos perigos a que se sujeitaria, de que pode se dar mal, muito mal, e que viver à margem da lei é, geralmente, um caminho para o qual não há retorno. Numa conjunção perfeita de roteiro, trabalho de atores, direção, montagem e trilha sonora, Houda Benyamina constrói cenas de impacto, ainda que sutis, e mesmo leves, explorando recursos aos quais o cinema já recorreu infinitas vezes, mas sempre de um ponto de vista inegavelmente original. Como a própria condição humana, “Divinas” é complexo, é denso. Onde floresce a desdita, transborda a graça.
Em 1961, a República do Congo enfrentava uma grave crise. Grandes corporações brigavam pelos royalties do solo de Katanga, rico em minérios e pedras preciosas, e em meio a toda essa efervescência social, Moïse Tsombe (1919-1969) toma o poder, dando início a uma das ditaduras mais fechadas e sangrentas da história. A ONU envia tropas com 150 soldados irlandeses, liderados por Patrick Quinlan, a fim de restabelecer a paz na região. A inexperiência de Quinlan, aliada aos parcos recursos destinados à missão, redundam num fracasso ultrajante: o batalhão é rendido por três mil mercenários locais, sob a chefia de comandantes franceses e belgas ligados às mineradoras. Os irlandeses são despachados de volta para casa, tidos por fracos, covardes, desertores. Smyth contextualiza o enredo de “O Cerco de Jadotville” à luz da polarização cada vez mais acirrada entre Estados Unidos e União Soviética ao longo da Guerra Fria (1947-1991), em que todo o continente africano era disputado pelas duas potências. O embate entre americanos e soviéticos pelas riquezas do Congo mergulha aquela sociedade num processo de pauperização e confrontos armados em que até crianças ainda em tenra idade se incorporavam às fileiras dos regimentos, desde que tivesse o que comer no fim do dia, enquanto o ditador Tsombe enriquecia a olhos vistos. Por mais calculadas que se apresentem num primeiro momento, guerras nunca são inócuas, e com a agravante de se dar num país alijado da democracia, última trincheira contra a barbárie, até a ocorrência mais banal adquire tons de uma carnificina. Nada pode ser divertido na guerra.
A captura e posterior execução do terrorista Osama Bin Laden pelos soldados americanos talvez fosse o mote perfeito de uma peça de propaganda com o propósito de enaltecer o caráter combativo — e vitorioso — das forças de segurança dos Estados Unidos. Não nas mãos de uma diretora tarimbada, escolada e prevenida como Kathryn Bigelow, que tem se dedicado com especial atenção ao tema. Bigelow, auxiliada pelo magnífico roteiro de Mark Boal, consegue tirar todos os véus que pretendiam encobrir os bastidores da morte de Bin Laden, o UBL, como o chamavam os militares, desde os atentados contra as torres gêmeas do World Trade Center, no centro nervoso de Manhattan, em Nova York, e o pentágono, em Washington, em 11 de setembro de 2001, ao início dos trabalhos para pegar UBL, em 2011, no Paquistão. Para isso, a dupla concentra seus esforços na figura de Maya, analista da CIA que obtém a pista que faltava para liquidar o saudita depois de oito anos de um trabalho meticuloso. Aliás, a isso se resumiu a vida de Maya ao longo desse tempo. Fica clara a anulação total da protagonista quanto a tudo o que não tem relação com seu ofício: ela não sai, não tem amigos, namorado, nada. São raras as vezes em que o cinema retrata de forma tão contundente a obsessão de uma mulher por se superar no exercício de suas funções, como o fez brilhantemente em “Cisne Negro” e de maneira meio jocosa em “Uma Secretária de Futuro”. Talvez seja esse o grande recado que Kathryn Bigelow queira passar, ela própria uma obstinada como poucos. A propósito, “Guerra ao Terror”, também dela, faturou os Oscars de Melhor Filme e Melhor Diretor de 2008 contra nada menos que “Avatar”, de seu ex-marido, James Cameron.
Em 1797, a Inglaterra era o país mais avançado do mundo, graças à Revolução Industrial (1760-1840). Contudo, Elizabeth, Jane, Lydia, Mary e Kitty são criadas com mãos de ferro pela mãe, que não aceita outro destino para as filhas que não passe pelo binômio casa-igreja, exatamente como se dá com ela. Elizabeth, contudo, almeja um futuro muito diferente, aspiração que o pai endossa. Bingley, o novo vizinho — rico, bonito e solteiro —, logo se torna alvo da cobiça das irmãs, e o melhor partido das cercanias cai de amores por Jane. Elizabeth, por sua vez, trava um breve contato com Darcy, que não lhe diz muita coisa, muito por causa da arrogância. Mesmo assim, os dois se aproximam cada vez mais, como se se testassem, a fim de saber quem cede primeiro.