Filme com Ben Affleck na Netflix te manterá na ponta do sofá e não te deixará piscar por 125 minutos Divulgação / 8flix

Filme com Ben Affleck na Netflix te manterá na ponta do sofá e não te deixará piscar por 125 minutos

Filmes de ação se distinguem dos demais por conseguirem feitos extraordinários e contraditórios entre si. Em meio a tramas plenas de reviravoltas que se desenrolam em ambientes conflagrados, com personagens ou fomentando discussões, brigas e trocas de tiro ou tentando a todo custo se livrar delas, pululam pontos de vista surpreendentes acerca de um tema aparentemente superado e sem margem para maiores apreciações, muito por causa dos próprios personagens dessas histórias, tipos que não raro orbitam entre a santidade de heróis abnegados e pios, cuja maior aspiração na vida é o bem da humanidade, e um espírito anômalo, disforme, que só se realiza na desgraça, sua e de terceiros, porque habituado de um jeito doentio à penúria dos sentimentos. Da mesma maneira que escandaliza muitos, essa dubiedade fascina boa parte do público que recorre a enredos que, a seu modo, explicam as humanas fraquezas sem as enaltecer, mas antes deslindando um painel para que o espectador alcance as conclusões mais sensatas, o que fatalmente ocorre, sem que ninguém lhe tome a mão e o guie pelo bom caminho da cordura.

“Operação Fronteira” (2019) apresenta cinco anti-heróis que passam por cima de princípios morais a fim de garantir que suas famílias deixem de passar necessidade, o que lhes implica várias situações, essas, sim, francamente aviltantes. J.C. Chandor, coautor do roteiro com Mark Boal, vencedor do Oscar por “Guerra ao Terror” (2008), dirigido por Kathryn Bigelow, adota um estilo destacadamente sofisticado a fim de, primeiro, sugerir a ambivalência moral de seus protagonistas para, de pouco em pouco, fazer da deformidade ética deles o capital que não vai redimi-los, mas chega bem perto. Chandor não dá ponto sem nó: em 2013, com “Até o Fim” (2013), mostrara a que ponto um homem é capaz de descer para ficar a uma distância segura da morte; no trabalho de seis anos depois, a morte até se insinua — e revela a brutalidade de sua presença já nos estertores das mais de duas horas pelas quais a narrativa se estende —, mas o que efetivamente dá o tom aqui é a forma como se dá o choque entre o certo e o errado, que se misturam sem nenhuma cerimônia.

A fronteira a que o título faz alusão é a que divide Brasil, Argentina e Paraguai, no vaivém do rio Paraná. Santiago García, o Papa, é o empreiteiro especializado em obras militares interpretado por Oscar Isaac, ele mesmo um ex-agente da Força Delta, grupamento de operações especiais do Exército americano, hoje radicado na Colômbia. Ainda fartamente abastecido de informações confidenciais, graças à vasta rede de contatos estabelecida ao longo da carreira como soldado, García está sempre algumas casas à frente das autoridades no que se refere ao manejo e à apreensão de entorpecentes. Por intermédio de Yovanna, a informante vivida por Adria Arjona — e inexplicavelmente dispensada logo depois que surge na tela —, fica sabendo que um dos chefões do cartel local esconde 75 milhões de dólares em espécie. Para tentar a maior aventura de sua vida, a primeira medida é cercar-se de uma equipe competente, que tope qualquer parada sem dar na vista. É a deixa para que volte a procurar Tom Davis, o Redfly; os irmãos William, de Charlie Hunnam, também conhecido como Ironhead, e Ben Miller, de Garrett Hedlund; e Francisco Morales, o Catfish, personagem de Pedro Pascal, cada um apto a desempenhar uma função ao longo da empreitada — e cheios do necessário menoscabo a crises de consciência que a missão exige. É justamente por aí que Chandor ataca o mote central de sua história. A jornada do quinteto pelos intestinos da América do Sul se revela muito, muito mais delicada do que eles jamais supunham. Os cinco são dispostos, como peças num tabuleiro, em cenários em que mais que o embate com o que entendem por valores como amizade, lealdade, senso de justiça, sua própria sobrevivência está a prêmio, e essa viagem termina da pior forma, especialmente para um deles. Uma prova de que o dinheiro só é capaz de comprar o que não importa.


Filme: Operação Fronteira
Direção: J.C. Chandor
Ano: 2019
Gênero: Ação
Nota: 8/10