Queira-se ou não, foi por meio de combates armados que conquistamos boa parte do que temos. Proclamar guerra contra quem quer que seja nunca é uma resolução que se toma da mão para a boca, mas é, em muitas circunstâncias, a única coisa a se fazer para fugir da desonra, que, conforme ensina Winston Churchill (1874-1965), primeiro-ministro do Reino Unido quando da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), se encarniça de um povo que não encampa as causas pelas quais se deve combater. Quase sempre, foi por meio dos enfrentamentos entre forças inimigas que a humanidade viu nascer seus grandes heróis, homens e mulheres que se vestiram da aura de personalidade da História graças a um desempenho de coragem memorável ao longo de uma série infindável de batalhas, que foram se multiplicando, tornando-se mais e mais intensas, até que lutas armadas entre povos — em muitas ocasiões amigos há gerações — viraram uma praga genuína e insuperável na vida do homem.
A fim de tornar-se senhor do mundo e de todas as criaturas que o habitam, o homem teve de se impor e fazer com que sua suposta autoridade valesse. Começou por subjugar os bichos que considerou dóceis, e os fez trabalharem para si. Em seguida, para vencer as tantas feras que ameaçavam sua integridade física por muito mais bravias e corpulentas do que ele múltiplas vezes, criou instrumentos como tacões, lanças e fundas e, assim, estendeu seus territórios. A próxima etapa foi dominar o fogo, desenvolver a pólvora e a sorte do gênero humano estava dada: a guerra. Em “Uma Breve História da Humanidade”, 2011, o historiador israelense Yuval Noah Harari defende que o homo sapiens só subiu tão alto na escala evolutiva graças à capacidade de partilhar informação a respeito dos assuntos mais prosaicos, como os melhores bosques para caçar ou que alimentos poderia ou não ingerir sem correr o risco de morrer intoxicados, por exemplo. E esse conhecimento sobre tudo o que existe de relevante, impossível aos outros animais, não seria nada se não viesse acompanhado do aprimoramento da força bruta.
Parecem não acabar nunca as versões para um dos eventos marciais de maior vulto na história da humanidade. O horror e as controvérsias em torno da Segunda Guerra Mundial, momento em que perderam a vida mais de sessenta milhões de pessoas — sendo quarenta milhões civis —, devem ser tomados a sério, mas chega uma hora em que a mera ficção, descasada do rigor dos fatos, e, por que não?, o humor tornam-se aliados improváveis, mas efetivos, para que o público leigo se aproxime um pouco mais do tema e aprimore suas noções sobre ele. Em “Operação Overlord” (2018), o australiano Julius Avery usa de leveza — a despeito de todo o sangue que faz jorrar — para tecer seus comentários sobre um ponto-chave para o bom desfecho do conflito, e mesmo assim sempre restam lições a absorver. Avery se vale de uma das narrativas mais trágicas de todos os tempos como trampolim para o que deseja contar, e ainda que não paire qualquer dúvida quanto ao caráter alegórico do que se passa na tela, é impossível não se envolver profundamente com tudo aquilo.
“O Resgate do Soldado Ryan” (1999), de Steven Spielberg; “Bastardos Inglórios” (2009), de Quentin Tarantino; “Riphagen” (2016), dirigido por Pieter Kuijpers; “Dunkirk” (2017), de Christopher Nolan; “O Banqueiro da Resistência” (2018), de Joram Lürsen; “A Batalha Esquecida” (2020), de Matthijs van Heijningen Jr… São muitas as referências do roteiro de Billy Ray e Mark L. Smith, mas “Operação Overlord” cresce mesmo é quando se assume um filme cuja função primeira é entreter. Boyce, o recruta doce e culto de Jovan Adepo, se depara por acaso com uma infestação de zumbis que, como em “Bastardoz” (2020), de Alberto de Toro e Javier Ruiz Caldera, são combatentes furiosos que morrem e renascem indefinidamente na fronteira da França com a Bélgica. Dotado de uma ingenuidade perigosa, além de impressionado com essa nova perspectiva sobre a guerra que se vai descortinando para ele, o personagem de Adepo também não tem ideia de como lidar com Chloe, refém dos nazistas no povoado onde mora com o irmão caçula Paul, de Gianny Taufer, e a tia misteriosa interpretada por Meg Foster, supostamente tomada por uma moléstia desconhecida, e que permanece encerrada num quarto penumbroso, sem falar com os novos amigos da sobrinha. Vivida por Mathilde Ollivier, Chloe também tenta entender os desdobramentos da guerra, vista com mais naturalidade pelo cabo Ford, o tipo valentão de Wyatt Russell, mesmo em seus aspectos fantasmagóricos.
Como se pode depreender, “Operação Overlord” faz questão de atropelar qualquer vínculo com um encadeamento racional ou mesmo lógico, sem qualquer pejo de ficar na superfície, deixando possíveis conclusões a cargo de quem assiste. Todavia, nazistas continuam na posição de antagonistas desumanos, condição potencializada pelo caráter de horror desabrido da história, que, por óbvio, não deve ser tomada a sério, ainda que celebre a bravura dos homens que enfrentaram os monstros da vida real.
Filmes: Operação Overlord
Direção: Julius Avery
Ano: 2018
Gêneros: Ação/Terror
Nota: 8/10