Amor e morte andam lado a lado, sobretudo na ficção. Ninguém pensa que um dia tudo acaba — não só o amor como a própria vida —, muito menos quando se está apaixonado. A paixão, o processo indizível e mágico de enamorar-se de alguém, o simples romance, ou mesmo apenas a ilusão do amor, a quimera de saber que há uma pessoa que se encaixa no que entendemos por amar e ser amado, sem ajustes, esses são alguns dos elementos que compõem boas histórias de amor, que pode começar de um jeito feliz, harmonioso, ir decaindo, decaindo, até que não sobrem nem cinzas daquele fogaréu inicial, ou, pelo contrário, brotar timidamente, como a erva do campo, crescer, juntando força de onde menos se espera, e vencer até as maiores adversidades, e mesmo o tempo. Desgraçado de quem perde um segundo tentando compreender os desígnios do amor e, por óbvio, da vida; há de desperdiçar anos numa luta que não existem vencidos ou vencedores, tampouco glória ou fracasso, mas tão somente as coisas como devem ser. Ou o que chamam de destino.
Esses pontos todos vem a lume em “A Escolha” (2016). O diretor Ross Katz opta por abusar do melodrama a fim de narrar a trajetória de um amor, feliz no princípio, como quase sempre, mas que deixa um rastro de destruição — moderado aqui —, porque assume sua própria natureza sem se importar em deixar em ruínas os sonhos de quem quer que seja. Inspirado em “Uma Escolha por Amor” (2007), um dos livros mais vendidos de Nicholas Sparks (o título da publicação é muito mais acertado que o do filme de Katz), “A Escolha” não vai muito além do enredo açucarado que caracteriza o texto do autor, em alguma medida burilado no roteiro de Bryan Sipe. O público já familiarizado com o trabalho de Sparks, claro, deita e rola, mas o espectador em geral encontra algumas pontas a amarrar no leito da trama, a começar de uma Carolina do Sul que está muito mais para Ibiza, ilha da costa leste da Espanha, ou a Riviera Francesa. Noves fora, ninguém que aprecia a pena ou a técnica de Sparks abre um de seus best sellers ansiando por se deparar com sentenças que o confundiriam com Machado ou Dostoiévski, bem como mesmo quem nunca tenha ouvido falar do escritor vai querer achar De Sica ou Bergman em “A Escolha”. A propósito, a repetição do substantivo ao longo de quase duas horas talvez seja o que mais irrita no filme. Terá sido uma exigência de Nicholas Sparks, um dos produtores? É provável.
Travis, o candidato a mocinho de Benjamin Walker, aparece atacando um iate cheio de belas mulheres e alguns amigos dos tempos de solteiro, cenário cuja aura de melancolia um tanto bucólica é ressaltada pela fotografia de Alar Kivilo, e mais antagônico impossível quanto ao que se assiste no segundo ato. Enquanto isso, o personagem vai curtindo a vida adoidado, como seu quase homônimo no filme de John Hughes (1950-2009): frequenta o maior número de baladas que consegue, flerta com todas as garotas que encontra, leva boa parte delas para a cama, mas não descuida da carreira de veterinário — e é uma covardia lançar mão de cachorros bem tratados num filme meia-boca; que espécie de monstro fala mal de um filme em que um cachorro atua melhor que muitos de seus colegas homo sapiens? É justamente por meio de uma travessura das grandes de Moby, o collie de Travis, que ele conhece Gabby, sua vizinha até o fim do verão. Ele e a personagem de Teresa Palmer enfrentam uma resistência quase invencível (da parte dela), mas começam a se entender. Pela condução de Katz para o approach dos dois subentende-se que vão subir ao altar antes mesmo do primeiro beijo, mas impedimentos (também da parte dela) adiam os planos do don juan dos pântanos. Mulher empoderada é isso aí.
Um evento infausto envolvendo Gabby, que se casa mesmo com Travis, marca a grande virada de “A Escolha”, mas as subtramas são, digamos, muito mais estimulantes. O premiado Tom Wilkinson como o doutor Shep, veterinário-chefe da clínica onde o protagonista — que não por acaso é seu filho — trabalha, o antípoda do conquistador encarnado por Walker, e mesmo o outrora Superboy Tom Welling como Ryan, o noivo preterido da anti-heroína, imperdoavelmente desperdiçado, tem muito mais graça que o lero-lero essencial. Como repete-se a três por dois no filme, a vida é feita de escolhas. Mas, às vezes, elas são bem mais fáceis que o habitual.
Filme: A Escolha
Direção: Ross Katz
Ano: 2016
Gêneros: Romance/Drama
Nota: 7/10