Contos eróticos dos amantes patéticos

Contos eróticos dos amantes patéticos

Somos todos patéticos. Quase todos. O pastor Pasteur acreditava em Deus, mas, não em fungos, vírus, bactérias e outras ameaças à vida que não saltassem aos seus olhos que a terra, com desgosto, haveria de comer. Aliás, os mais diminutos “micróbios” nos quais cria eram as baratas. Se não houvesse baratas no estabelecimento, já seria um ganho, já estaria de bom grado, já dava para ficar. O lugar podia até ser um recanto simplório, barato, mas, barata… Ah, Senhor… Barata ninguém merecia. Barata era uma criaturinha asquerosa absolutamente insuportável até mesmo para um verme como o Pasteur.

A primeira providência do pastor ao entrar numa suíte de motel era pigarrear, tomar nas mãos o controle remoto e conferir os canais do circuito interno de TV. Perdiam-se preciosos minutos ao checar a variedade de filmes eróticos que serviriam, contudo, para inspiração durante o período refratário entre um orgasmo e outro. A fisiologia sexual do homem diferia da mulher. Carecia tomar um folego, dar um tempo e fumar um Jeronimo’s, antes de retomar o romance.

Os critérios amorosos de Pasteur não eram tão rigorosos quanto os de um parlamentar da bancada da mala. Mas, o sujeito tinha lá os seus códigos de pudor. Não bulia com crianças, por exemplo. Dava tempo ao tempo. Esperava a natureza agir. Desde que a criatura pesasse mais do que quarenta quilos e fizesse tibum ao cair numa piscina de água ungida, já tinha atingido o ponto ideal para cair na sua lábia.

Eu e o pastor puxávamos cana no mesmo presídio. Durante um revigorante banho de sol, ele me contou uma história tão hilária, tão inverossímil, que poderá lhes parecer inventada, conversa fiada para boi dormir. Vou logo avisando que eu nunca minto quando estou escrevendo. Pasteur disse que, certa vez, numa das suas desventuras amorosas, arrastou uma novinha para um motel meio mequetrefe. Era o que o dízimo do dia permitia pagar.

Estacionou o Commodores antigo na garagem da suíte número 4. Estava escuro pra dedéu. Não conseguia enxergar um palmo sequer na frente do nariz. Pediu para a adolescente abrir um sorriso e alumiar o caminho com os seus dentinhos perfeitos. Valendo-se das manhas de um velhaco, foi tateando as paredes até encontrar a maçaneta. A porta ringiu. Lá dentro, o mais completo breu. Por um momento, sentiu-se imerso nas trevas de que falava o livro santo. Prosseguiu apalpando a alvenaria em busca do interruptor que, enfim, traria luz e alívio.

Foi aí, então, que sentiu cócegas no dorso da mão. Algum inseto subia em disparada sobre os finos pelos do antebraço. Com muito custo, padecendo de extrema agonia, conseguiu, finalmente, encontrar o dispositivo e acender a luz do quarto. Deparou com uma cascuda das grandes marchando confiante em direção ao seu ombro. Num formidável ato reflexo, o pastor fez um movimento elástico que mais parecia um passe de breakdance, atirando, sem querer, o destemido inseto sobre as madeixas perfumosas da sua jovem acompanhante. Todos ali dentro soltaram um grito de horror, exceto, dona barata, que bateu as asas em direção ao pátio, escapando da morte certa.

A aparição inusitada do abjeto inseto deixou a moça em estado de choque. A coitadinha se sentou sobre a cama, cruzou as pernas fabulosas, lisas como casca de pêssego, e desandou a chorar. Tinha um nojo maiúsculo de baratas. E quem não tinha? Era certeza que no Céu não havia baratas. Deus não cometeria um deslize como esse. Abatida, sentindo saudades de casa, a moça pediu para ir embora, mas, foi convencida por Pasteur, malandro experimentado, a relevar o incidente que, afinal, já estava resolvido, uma vez que o inseto tinha sumido na escuridão. Para acalmá-la, abriu o frigobar e destampou uma garrafa de Cuspe Sour que estava trincando de tão gelada.

O pastor fez o sinal da cruz de malta, fechou a porta e jogou a chave do possante sobre o balcão. Daí, tirou os sapatos, aumentou o volume da música e foi conferir os canais da TV. O monitor da TV acendeu, mas, não mostrou mais nada, senão um fundo azul brilhoso. Tentou de tudo quanto foi jeito, mas, nada de aparecer as imagens. Checou os cabos. Conferiu se tinha pilha no controle remoto. Ficou irritado. Resmungou um palavrão. Eram problemas demais para uma única noite. Seria aquilo uma provação, um sinal divino?

Ligou na recepção e quem atendeu do outro lado foi um tal de Divino. O sujeito disse que não fazia a menor ideia por que a TV não funcionava. Agorinha mesmo, antes deles adentrarem, outro casal tinha feito uso da suíte e pago a conta, felizes da vida, rindo de orelha a orelha, sem se queixar, sem reportar nenhum tipo de problema eletrônico. O recepcionista disse que ia dar um jeitinho e pediu que aguardassem um minuto só. Passaram-se mais de dez minutos e nada. Para não perder mais tempo, o casal resolveu se livrar de uma vez por toda das roupas para dar o pontapé inicial nas preliminares.

De repente, escutou um barulho que vinha da porta, aquela portinhola através da qual os serviçais passavam a comida, os apetrechos e recebiam os pagamentos das contas. Parecia o ruído de uma fechadura sendo destrancada. Do nada, eis que surge uma senhora que devia pesar, pelo menos, uns cento e vinte quilos. Enquanto arrastava as sandálias pelo quarto, pediu escusas e começou a verificar a TV, os cabos, as conexões e tudo mais. Embasbacados, Pasteur e sua jovem acompanhante esconderam-se sob o lençol puído que cheirava a água sanitária. Em silêncio, o pastor rezava para que aquele incipiente cheiro de água sanitária fosse mesmo água sanitária. Todo mundo vivia dizendo que esperma tinha cheiro de água sanitária. Engoliu em seco, sofrendo de dilemas solitários. Ele era mesmo um otário. E quem não era?

A pesada senhora comentava em voz alta, o passo a passo, tudo o que fazia, cada checagem no aparelho. “Bingo!”, comemorou. A TV estava funcionando perfeitamente. Inclusive, na tela, surgiu a imagem de outra mulher enorme, nua, pisoteando um magrelo que se deitara no chão. O sujeito parecia estar passando um sufoco sem tamanho. Do mesmo jeito que surgiu, a mulher vazou, sem pestanejar, sem olhar para o casal, esgueirando-se, de gatão, para o lado de lá, rolando para dentro do corredor escuro e proporcionando um pastelão, uma das cenas mais bizarras que o pastor já tinha visto na sua extensa carreira como predador de ovelhas desgarradas. Enquanto o pobre do ator gemia de dor — ou seria prazer? — sob as solas da grampola, a moçoila virou-se para Pasteur e decretou: “Isso aqui não é de Deus. Me leva embora”.

Humilhados, entraram no carro que estava sendo devorado pela ferrugem. A chave rodou silenciosa entre os dedos de Pasteur. Nenhum sinal do motor de partida. A bateria tinha arriado. E essa história, que nunca termina, terminado.