Dominar o tédio da vida cotidiana de um mortal como outra qualquer fazendo disso um negócio rentável, e poder contar com o senso de dever cumprido redobrado por contribuir para que pessoas com variados graus de desilusão frente às dificuldades retomassem a vontade de viver. Qualquer um se sentiria menos miserável e mais vivo por descobrir um meio de aliar paixão pelo trabalho a função social, mesmo que se equilibrando na corda bamba da vaidade, mais e mais tênue a cada dia, sempre ameaçando se romper ao mínimo movimento um pouco mais ousado. São justamente essa vaidade e esse gosto pelo perigo que tornam a vida um pouco menos ordinária, e mais uma vez se volta à questão do enfaro versus a necessidade de encontrar alguma graça na rotina, que pode ser cruelmente maçante por mais dinheiro que se tenha. Valer-se de condições financeiras mais alargadas a fim de dar cabo do ramerrão do dia a dia é a única esperança de quem pensa que viver tem de ser a fonte de prazer inesgotável que previne todos os dissabores dos momentos prosaicos e até dos que trazem em seu bojo a nota ácida da catástrofe.
Ray Moody, o personagem central de “Take Me” (2017), se jacta desabridamente de ter conquistado tal fama, mas nesse caminho de sucesso se interpõe uma pedra difícil de ser removida. Pat Healy, o diretor-protagonista, dá a esse homem suas boas medidas de inadequação ao mundo, de melancolia, de pequenez diante da tristeza fundamental de sua própria vida. Sua apresentação patética, sua cara aparvalhada circunscrita por uma peruca que sempre vira o centro das atenções, é a tradução perfeita do quão falso se foi tornando. Moody toca um negócio que ele mesmo inventou, a Kidnap Solutions, especializado em sequestrar pessoas a seu próprio pedido e, mediante um trabalho de investigação profissional devotada, descobrir seus pontos fracos, seus medos, as mentiras que nunca veem a luz do sol e aterrorizá-las despejando-lhes em cima toda essa sujeira. E ele é muito bom nisso: no quarto que faz as vezes de escritório, uma parede está forrada com as fotos de seus clientes-reféns, tiradas ainda no cativeiro. Loucura? Sim, é inegável que há um grande bocado de psicopatia de parte a parte, mas o roteirista Mike Makowsky sofistica o argumento do bobalhão triste primeiro trazendo à cena a figura de Natalie, a irmã vivida por Alycia Delmore — isto é, Moody não é exatamente um solitário. Depois, quando a trama se encaminha para o eixo e o conflito começa a ser destrinchado, também se nota que ele também não é tão autossuficiente quanto à primeira vista.
A Kidnap Solutions recebe a ligação de Anna St. Blair, e a partir de então a vida de seu proprietário nunca mais será a mesma. Bonita, rica, bem-sucedida no trabalho como executiva, a personagem de Taylor Schilling está interessada nos serviços de Moody, muito mais para realizar uma fantasia do que para gozar de incentivo quanto a cumprir metas pessoais, como se assiste na cena final. Aqui, o texto de Makowsky explora nuanças um tanto mais obscuras da personalidade do sequestrador profissional, que só faz o que faz, ele insiste em pontuar, porque, além da boa remuneração, gosta de saber que contribuiu para que seus contratantes religassem um lado em si mesmos que parecia apagado para sempre. Ele não é um sádico, um pervertido sexual, como Anna decerto pensa a seu respeito; mesmo assim, aceita a encomenda, uma vez que não é todo dia que se ganha cinco mil dólares num piscar de olhos. Doravante, a grande questão é saber até onde ela pretende chegar, e Healy acerta em cheio ao colocar seu personagem e o espectador sob a mesma perspectiva, ou seja, por mais que se possa especular, ninguém tem a menor ideia sobre se a refém é mesmo quem diz ser, ou se ao menor descuido de seu algoz, vai dar um basta àquele jogo e clamar por ajuda — o que efetivamente acontece. Assim, “Take Me” funciona como um suspense de execução assombrosamente eficaz, engraçado e, o mais importante, crível.
Filme: Take Me
Direção: Pat Healy
Ano: 2017
Gêneros: Comédia/Crime
Nota: 8/10