Ergue-se dos escombros o castelo dos escândalos. Ergue-se com todos os mortos, os duques, os barões, os vassalos, os anões. E as armas, os brasões, os galos da aurora, os cães, os vilões da história. Aprumam-se os galgos soberbos, e os cavalos de Tróia; abertas as portas e as coxas da fortaleza a uma nova temporada de caça à raposa, aos patos selvagens de Ibsen, aos pombos-correios traídos, de conúbios proibidos.
Reacendem-se os salões, as valsas, valquírias e vanessas da volúpia. As taças, os leques, os mexericos e as paixões da terra, da carne e de guerra. Combates de fronteiras, a morte por honra de espadas e pistolas, vulvas de alcovas por alvitre de alcoviteiras. No castelo de Kafka, ou na casa de Usher, Urfaust e Mefisto afiam os garfos sinistros e destrincham — tridentes do Diabo — os crepitantes faisões dourados. Corações ao alto! Je-sus! Je suis très content de ma vie!, dit Le Faisan, o Virago, l’enfant terrible sur la table do provençal antigo, e ali convidado. Porcelanas da china e coisas francesas ressurgem das “caixas da vida” para a mesa. Dinastia Ming, mandarins, samurais e mais linglings, além do mais os jingles do jazz, king´s camundongos e amendoings. Um anjo da guarda com uma asa quebrada; os lábios escrofulados.
Relâmpagos. Os espelhos de fogo: hirsutas taturanas, eriçadas nos sobrolhos da censura. Que fúria! Centopeias, centelhas ainda acesas nas pupilas do pater famílias, o corno, o morto quando vivo no retrato. O corvo de Allan Poe sobre o busto de Palas, à porta de bronze da grande sala, onde se resguarda óleo sobre tela: aquela por quem os castelos se erguem e se desmantelam com suas muralhas e seus colares de pérolas: uma mulher madura, vestida de verde, veludo verde-musgo, e ali com as joias de sua eterna infidelidade — fiel apenas a si mesma, por maior a lealdade, ainda flerta com os artistas que a visitam.
Um toque de Midas a tudo transmuta em besouros de ouro para usos e abusos da usura de absurdo castelo. Mais fácil um camelo passar pelo buraco do rico e aí comê-lo. O monstro de Minos — Minos, o corno —: o menino-touro, o bastardo que devora as donzelas por querelas de labirinto, ou só por querê-las, belas filhas de Creta, com o pólen dos mitos e a borboceleta de Pandora. Ó greta, gruta de onde e por onde todo homem chora!
Abandono e oblívio, agora. Onde o esplendor da relva de Woordsworth, as fanfarronices de Walt Whitman? Aurora! Aurora! Os berros de Nietzsche. O sono das crisálidas incubadas no livro das metamorfoses. Ó vídeo! Fezes na carcaça do trem-de-ferro. Ferrugem, fuligem nas estações de Vivaldi. O tempo imóvel na carretilha da cisterna. O balde baldio, no terreno rosicler. A pedra eterna. O rio. O spleen de Baudelaire.
Os capítulos romanos, artifícios do efêmero, se anulam com a marcha interrompida na caixa de estrondos. Pêndulo parado. Oh, gangorra dourada, o que se fez da vida? Por trás da porta do tempo, o fantasma de Albertine desaparecida folheia e vasculha os sete volumes de Proust, à procura de tudo, em busca do existido. Tire, Albertine, tire o vestido: o corpo é um deserto sempre redescoberto.
É finda a temporada de caça à raposa. Uma rosa é uma rosa, um cavalo é um cavalo. Deita-o sobre os próprios escombros a implosão do castelo. Cai o pano de fundo. Abrem-se as janelas e a jaula de Pound. If love be not in the house there is nothing. Se não há amor na casa, não há nada.