O filme alucinante e louco da Netflix que vai tirar seu fôlego e não te deixará piscar

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“Os Piratas: Em Busca do Tesouro Perdido” (2022) teve de remar muito para não ser levado pela maré. Concebido como o prolongamento de “Os Piratas” (2014), de Lee Seok-hoon, o filme de Kim Jeong-hoon teve de ser reescrito, missão que coube a Chun Sung-il, depois que os atores Son Ye-jin e Kim Nam-gil, escalados para os papéis principais, abandonaram o barco. Como se não bastassem os percalços internos, quando tudo estava ficando azeitado para a retomada das filmagens, no verão de 2020, veio a pandemia de covid-19, o que adiou a estreia do longa para o festival Chuseok, no outono de 2021. Tantas idas e vindas, contudo, valeram a pena: “Os Piratas: Em Busca do Tesouro Perdido” é a produção sul-coreana de maior bilheteria dentro de seu país de origem até agora, com um milhão de espectadores só em 2022. O cenário de melancolia e pânico fomentado pela peste, que fez com que bilhões de pessoas se isolassem compulsoriamente e quase botou tudo a perder parece ter se mostrado uma faca de dois gumes e, vencida a agonia — ainda que a doença ainda esteja ativa ao redor do mundo —, acabou por dar uma mãozinha ao filme, cujo público aplacou a ânsia por poder sonhar outra vez diante da história, delirante, mágica, do princípio ao fim.

Há quem diga que a mudança dos ventos nos bastidores se refletiu no resultado final de “Os Piratas: Em Busca do Tesouro Perdido”, que soaria um tanto caótico demais. Rematada maldade. Não faria sentido admitir o trabalho de Kim Jeong-hoon de outra maneira que não sob a forma da digressão artística, quiçá até da sátira a outros blockbusters do gênero, esses assistidos no mundo todo, como os da franquia “Piratas do Caribe” (2003-2011). Logo no começo da história, vem à cena um turbilhão de personagens, cada um apresentando à audiência suas demandas próprias, tal como se dá com os filmes de Hollywood e, portanto, ninguém tem dificuldade em assimilar o ritmo acelerado da narrativa, que amalgama à perfeição o que acontece apenas na cabeça dos personagens, como desejos inconfessáveis, e os fatos em si. Quem se dispõe a acompanhar a saga ao longo de mais de duas horas recebe como prêmio um enredo que o desestabiliza, um clímax nada convencional e o encerramento, que deixa um gosto de quero mais.

Sem mistério, o argumento de “Os Piratas: Em Busca do Tesouro Perdido” remonta aos últimos anos do século 14, quando a dinastia Joseon teve início, em 1392, permanecendo à frente do governo da Coréia pelos cinco séculos que se seguiram, até 1897. Francamente desenvolvimentista, Joseon era um entusiasta da filosofia de Confúcio (551 a.C – 479 a.C), adaptava para a realidade de seu país a cultura chinesa, que considerava mais evoluída, e apoiava as artes e a ciência com o aporte financeiro necessário. Foi nessa leva que a navegação comercial também se popularizou e diversas expedições marítimas eram patrocinadas pelo imperador todos os anos. Ao passo que os navegadores com a chancela real ganhavam os mares, campanhas extraoficiais se tornavam cada vez mais frequentes, entre as quais a capitaneada pela pirata Hae-rang, personagem de Han Hyo-joo, que descobre um mapa do tesouro que pode levá-la a uma carga de objetos de ouro roubada do palácio real, perdida no oceano. Vai com ela o bando de sicários liderados por Wu Mu-chi, interpretado por Kang Ha-neul, que se autoproclama “o maior espadachim de Goryeo”, o reino que antecedeu o de Joseon, fundado em 918 e que deu à Coreia as características pelas quais a conhecemos hoje. Esses delinquentes também querem se apropriar do tesouro e nao só: o desconforto da convivência é ainda maior porque Mu-chi não admite que Hae-rang, uma mulher, comande o navio, função que pleiteia para si.

Kim Jeong-hoon assume o exagero em seu filme, com sequências propositalmente desarmoniosas, em que registra as tantas sublevações de uma tripulação endiabrada,os imprevistos da viagem e as tentativas de golpe que os malandros se impingem uns aos outros, sem se esquecer, por evidente, de elaborar o romance — ou o que chega mais perto disso — entre Hae-rang e Wu Mu-chi, performances interessantes dos carismáticos Han Hyo-joo e Kang Ha-neul, que se esmeram por exaltar as diferenças de temperamento de uma e do outro. Enquanto a capitã, uma mulher de visível refinamento, é a líder de um ajuntamento de vadios — e faltou ao roteiro de Chun Sung-il esclarecer de que maneira ela fora parar ali —, o personagem de Kang Ha-neul é um nobre vagabundo, que sabe o seu lugar e nunca avança o sinal em suas intenções para com a moça, por mais que o desejo o fustigue. Os brutos amam, sim, e em segredo.

“Os Piratas: Em Busca do Tesouro Perdido” mantém o alto nível da indústria cinematográfica da Coreia do Sul, uma grife já reconhecida pela qualidade da forma e do conteúdo. Aludindo a ideias como morte e redenção, traição e lealdade, e as conquistas de bravas mulheres ao longo da história, Kim Jeong-hoon continua a tornar possível a festa do cinema de seu país. Eles merecem.


Filme: Os Piratas: Em Busca do Tesouro Perdido
Direção: Kim Jeong-hoon
Ano: 2022
Gênero: Ação/Aventura
Nota: 9/10