Novo filme de George Clooney sobre as agonias em família de todos nós toca o espectador pela simplicidade

Novo filme de George Clooney sobre as agonias em família de todos nós toca o espectador pela simplicidade

Em excetuando-se o trocadilho — mantido no título em português, “Bar Doce Lar” —, nada em “The Tender Bar” (2021) é novo. O filme de George Clooney reúne as mesmas subtramas sobre amadurecimento de um personagem, precipitado em razão de uma contingência inesperada do destino. Mas há aspectos positivos (e mesmo reveladores) em sua mesmice. 

Quase ignorado por parte da crítica e um estrato do público cada vez mais desinteressado por enredos reflexivos, “The Tender Bar” até pesa um pouco a mão na tentativa de sensibilizar a audiência logo de cara. O mote é gasto e os diálogos, previsíveis, seguem a tendência das milhares de produções congêneres, mas o coeficiente de carisma e empatia do que é levado à cena decerto contribuem não para neutralizar essas deficiências, mas para mitigá-las severamente. A tristeza resignada dos personagens, perdedores assumidos que tocam a vida como podem; a sofisticação do texto original, de J.R. Moehringer, vencedor do Prêmio Pulitzer; ou mesmo a direção de Clooney, que mesmo longe de ser extraordinária, tem no esmero seu predicado mais importante, falam a quem assiste de alguma maneira.

O cinema se ramificou de um jeito que hoje há filme sobre tudo. Tomando por base esse raciocínio, “The Tender Bar” seria o típico representante do filme de tio, observando à risca a todos os clichês do gênero. Tios são figuras curiosas no núcleo familiar; em geral, esses homens, solteirões convictos (ou nem tanto), elegem seus sobrinhos como guardiães de seu amor paternal consagrado à eternidade. Essa macaqueação do sentimento de pai — um pai muito mais terno, talvez, já que não tem de cobrar nada (e nem pode) — vem à luz sob a forma de conselhos, broncas, convites para programas inusitados. Tios costumam ser mais sábios que o personagem masculino que se investe do papel aventureiro de gerar uma criança — ou, pelo menos, creem serem assim —, mas essa presunção não é sem motivo e o cinema tem boa parcela de responsabilidade nisso. Possivelmente o filme contemporâneo que melhor reflete a condição avuncular seja “Pequena Miss Sunshine” (2006), de Valerie Faris e Jonathan Dayton, em que um tio intelectual, um dos maiores especialistas em Proust do mundo, resta completamente deslocado em meio a parentes boçais, meio abestalhados por causa do concurso grotesco que dá nome ao filme. Aos tios, é reservado sempre o lugar de um sujeito meio estranho, meio inadequado, à margem, maldito, quando não despertam a franca suspeita de condutas intoleráveis, como em “Hamlet” (1603), de William Shakespeare (1564-1616), canibalizado pelos estúdios Disney em “O Rei Leão” (1994), de Rob Minkoff e Roger Allers.

O tio encarnado por Ben Affleck em “The Tender Bar” não tem nada de nenhum desses exemplos. Não é um sábio, mas tampouco usurpa o lugar de quem quer que seja, ainda que tivesse a melhor das intenções. Charlie Maguire é só o dono de uma birosca, o Bar Dickens, em Long Island, a leste de Manhattan, em Nova York. Esse cidadão pacato, uma derivação do americano tranquilo de Graham Greene (1904-1991), não quer guerra com ninguém. Apesar de cognitivamente meio limitado, Charlie sabe muito bem que ser homem é mais que encher a cara num balcão de bar contando vantagens amorosas, reais ou não, e são essas as lições que quer que o sobrinho, J.R., absorva, e o personagem de Tye Sheridan carece mesmo de toda orientação, uma vez que Papa, o pai vivido por Max Martini, está mais preocupado em se vender como The Voice e promover a carreira de DJ numa das três rádios da vizinhança. Num distante 1973, o mundo parecia muito maior e ainda mais sedutor para um garoto como J.R., cuja curiosidade a mãe, Dorothy, de Lily Rabe, nem sempre era capaz de satisfazer. 

Mesmo sem muito interesse em exercer sua autoridade de pai, The Voice e J.R. acabam se encontrando algumas vezes, e já na primeira fase, quando o roteiro de William Monahan apresenta J.R. na pele de Daniel Ranieri, fica claro que o relacionamento dos dois não é dos melhores. As pinimbas entre Charlie e The Voice dão o colorido de dramédia familiar do longa, e uma situação em especial é capaz de arrancar risadas súbitas do público, que certamente se remete de imediato a circunstâncias que lhe são conhecidas em alguma proporção. Família é família em qualquer parte do mundo, ontem, hoje e sempre.

No momento em que Dorothy e J.R. têm de passar uma temporada na casa do patriarca interpretado por Christopher Lloyd, se estabelecem novos conflitos em “The Tender Bar”. Ciente de que a filha não pode recorrer a mais ninguém, mas zeloso de sua privacidade, o velho começa a manifestar seu desgosto em ser forçado a botar comida em mais duas bocas, sem receber nenhuma contrapartida, e esse arco esconde alguns problemas cruciais para o filme de George Clooney. A mãe e o avô de J.R. não se dão bem, e as sequências que expõem as diferenças dos dois, tensas, mas divertidas, mantêm a história vívida até o desfecho, quando J.R. dá a volta por cima e tudo o que almejava para si — algumas aspirações grandiosas e outras nem tanto —, começam a tomar corpo. E a vida segue, fazendo um happy hour no Bar Dickens de tempos em tempos.

Ben Affleck transforma o pouco que recebe em “The Tender Bar” num personagem memorável, contrariando a trajetória descendente que passou a trilhar devido às performances pouco felizes que tem apresentado ultimamente. No filme de Clooney, Affleck é capaz de entreter plateias as mais heterogêneas, sem esforço, honrando a indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante pelo papel em 2022, por si só um sinal de que está no controle de sua carreira outra vez. Pode ser que seu bom desempenho não se traduza em uma estatueta, mas ser artista é muito mais que cruzar tapetes vermelhos e ganhar prêmios. Nunca um copo-sujo foi tão poético.


Filme: The Tender Bar
Direção: George Clooney
Ano: 2021
Gênero: Drama/Comédia/Coming-of-age
Nota: 8/10