Spielberg e sua fábrica de criar monstros

Spielberg e sua fábrica de criar monstros

Quando pensou na história de “E.T. — O Extraterrestre” (1982), Steven Spielberg tinha, na verdade, a ideia de fazer um filme sobre a perda que a criança sente com o divórcio dos pais. Nada de alienígenas e coisas parecidas. Ele criou o personagem Eliot, que se vê sem pai de repente, e desenvolveu a relação do menino com o ser de outro planeta. Mas, no final das contas, o ser de outro planeta ocupou o centro das atenções.

Essas histórias sobre a trajetória do diretor estão no documentário “Spielberg”, que pode ser visto na HBO GO e em outras plataformas de streaming. O filme é interessante por mostrar o desenvolvimento do menino judeu que morava numa cidadezinha do estado do Arizona — um local de casa de classe média, como aquelas de “E.T.”. Também é a chance de ver como funciona a cabeça desse “construtor de monstros” e blockbusters.

Os medos de quando era criança, a separação repentina dos pais, tudo foi parar no caldeirão criativo de Steven. Ele era um rapaz que foi se infiltrando em Hollywood, no momento que o cinema parecia meio esgotado na virada dos anos 1960 para os 1970. O documentário mostra a turma de amigos que eram também jovens diretores e trocavam ideias sobre as obras a serem feitas ou já filmadas.

O grupo era formado por ninguém menos que Spielberg, Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, Brian de Palma e George Lucas. São apenas os sujeitos que “bombaram” as bilheterias do cinema mundial a partir dos anos 1970. É curioso saber, por exemplo, que Steven passou duas semanas ajudando Brian nas filmagens de “Scarface”, em 1980, com o ator Al Pacino, num dos filmes mais violentos da História.

No documentário, os entrevistados falam do sentimentalismo excessivo de Spielberg, que não teme apelar às emoções. Perde-se o olhar analítico, ganha-se terreno no choro e no medo. Ao mesmo tempo, o filme mostra as parcerias com escritores nada convencionais, como Tom Stoppard e Tony Kushner. Steven foi buscar em Philip K. Dick o argumento para o filme interessantíssimo “Minority Report” (2002).

O que sempre chama a atenção em Spielberg é a criação de monstros em sua filmografia: o peixe enorme de “Tubarão”, os aliens de “Contatos Imediatos”, “E.T.”, os fantasmas de “Poltergeist”, o nazista da “Lista de Schindler”, outros aliens em “Guerra dos Mundos” e os dinossauros de “Jurassic Park”. Parece uma obsessão do diretor. O resultado são personagens, criaturas inanimadas e histórias que fogem do controle.

Em “Jurassic Park” (1993), um cientista (interpretado pelo diretor de cinema Richard Attenborough) recria dinossauros que, ao final, ele mesmo não consegue mais controlar. Trata-se da alegoria do artista que cria uma obra sublime, excessiva e fora do seu domínio. É justamente como nos próprios filmes de Steven Spielberg, que se tornam incontroláveis e “monstros” maiores do que ele mesmo.

Na série de filmes Indiana Jones, Spielberg trabalhou como um doutor Frankenstein: retalhou ideias de seriados da década de 1940 para criar as aventuras de um professor de arqueologia. Semelhante à criação do personagem escrito por Mary Shelley, que pega pedaços de cadáveres para construir um novo ser humano. Mas, ao final, o monstro ganha vida própria, desejos e ressentimentos.