Mario Quintana, o passarinho de canto triste da poesia brasileira, nascia há 115 anos

Mario Quintana, o passarinho de canto triste da poesia brasileira, nascia há 115 anos

O que seria do mundo sem a arte? O que seria da arte sem a poesia? O que seria da poesia sem Mario Quintana Alegrete era pequena demais para as muitas ambições do menino Mario Quintana. Tanto que ele, como passarinho que era, bateu asas e voou logo. Foi cantar, aos 13 anos, em outra gaiola: no caso, um quarto do internato do Colégio Militar de Porto Alegre. Foi nesse ambiente nada lírico que começou a nascer o poeta, ao publicar seus verdes primeiros versos no suplemento literário dos alunos da instituição.

Ainda no Colégio Militar, Mario publica, aos 17 anos, um soneto no jornal de sua Alegrete natal, que continuava pequena, e o era mesmo — pelo menos para ele. No ano seguinte, estava livre das obrigações do Colégio Militar de Porto Alegre, mas a vida real o chamava: a fim de ganhar algum dinheiro, foi ser balconista na livraria Globo, por três meses. Dinheiro — ou melhor, a falta dele —, foi uma das muitas desventuras na vida de Quintana. A outra era Alegrete: o poeta parecia destinado a nunca conseguir riscar a cidadezinha de origem, no sudoeste gaúcho, do seu mapa particular. Não arrumando meio de vida que lhe garantisse sustento digno, passado mais um ano voltou para a sua amarga pasárgada.

Como se o fado o considerasse frágil demais, poeta demais, e lhe quisesse poupar, as desgraças em sua vida vinham-lhe aos poucos. Um ano depois de ter regressado, lhe morreu a mãe, e em mais um ano, o pai. Quintana não se deixava abater, mesmo que se abatesse. “A Sétima Passagem”, conto sobre a efemeridade da vida, ganha o concurso promovido pelo jornal “Diário de Notícias”, de Porto Alegre.

A carreira jornalística de Quintana começa a partir de 1929, aos 23 anos, quando é contratado como tradutor em “O Estado do Rio Grande”. O veículo é empastelado no ano seguinte — mais um ano! —, na esteira da Revolução de 1930, o que lhe dá o pretexto que faltava a fim de largar tudo e ir para o Rio de Janeiro. Na então capital da República, se alista como combatente. Sua trajetória militar se encerra ao término de seis meses. Quintana volta a Porto Alegre e retoma suas funções no “Estado do Rio Grande”.

Enquanto atua como tradutor fixo do “Estado”, realiza trabalhos como freelancer, vertendo para o português Voltaire, Virginia Woolf e Emil Ludwig, sendo “Em Busca do Tempo Perdido”, do francês Marcel Proust, seu trabalho de maior destaque. Em 1940, aos 34 anos de idade provecta, Mario Quintana publica sua primeira obra, “A Rua dos Cataventos”, uma compilação de sonetos. Sua poesia é amplamente aceita e é adotada em antologias e livros didáticos.

Célebre pelo humor, em 1948, o poeta assina “Sapato Florido”, de que resulta “Do Caderno H”, poemas curtos em prosa poética e cheios de fina ironia. Liam-se ali pérolas como a que dizia que “os verdadeiros poetas não leem os outros poetas. Os verdadeiros poetas leem os pequenos anúncios dos jornais”, ou “a casa é acolhedora, os livros poucos. E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas”.

Academia Brasileira de Letras? Não, obrigado.

Um dos espectros obsessivos que rondava a alma de Mario Quintana era a Academia Brasileira de Letras. Mario tentou entrar para a ABL por três vezes — e sempre fora misteriosamente rejeitado. Nunca acusara o golpe, mas reservara munição. Em 25 de agosto de 1966, menos de um mês depois de seu aniversário de 60 anos, é citado pelos acadêmicos Augusto Meyer e Manuel Bandeira. Talvez estivesse chegando sua hora. Teria sido a quarta candidatura, mas, dessa feita, foi Quintana quem, bravamente recusou, demonstrando a dignidade que ainda falta a muitos literatos, enfeitiçados pelo olor do chá ou tomados de fetiches com o fardão, mesmo depois de velhos.

Espírito nobre que era, Mario Quintana mostrou que não guardava rancores e aceitou, em 1980, pelo conjunto da obra, o Prêmio Machado de Assis, concedido pela entidade de que o Bruxo do Cosme Velho fora, em um tempo já àquela altura perdido, o primeiro gestor. No ano seguinte, fora agraciado, justamente, com o Prêmio Jabuti de Personalidade Literária do Ano. As “Agendas Poéticas”, a partir de 1988, foram o que se passou a chamar de bestseller — termo para o qual o poeta decerto torceria o nariz. Nelas, Quintana escrevia textos curtos, um para cada dia do calendário.

Artista, e não banqueiro, Mario Quintana não foi capaz de administrar seus rendimentos e acabou completamente despossuído, ao ponto de ser obrigado a deixar o quarto que ocupava no Hotel Majestic, no centro histórico da capital gaúcha, hoje uma casa de cultura que ostenta seu nome. Fora viver de favor em um outro hotel, o Royal, graças à generosidade do ex-craque do Internacional, Paulo Roberto Falcão. No dia 5 de maio de 1994, solteiro — mas talvez sonhando um dia desposar Bruna Lombardi, sua musa e depois amiga — e não tendo transmitido a ninguém o legado de nossa miséria, conforme ensinou o Bruxo, Mario de Miranda Quintana foi cantar em um mundo que talvez o merecesse. Esse, como Alegrete, era pequeno demais para ele.


Foto: Liane Santos / Correio Braziliense Divulgação