O mundo é um hospício

O mundo é um hospício

Atribui-se esta frase a Albert Einstein. Para não cometer mais uma gafe, perguntei a Dona Fiinha, pesquisei na internet, mas, não encontrei nenhuma fonte segura que atestasse a sua veracidade. Portanto, pelo menos por hora, até que alguém me desminta e me envergonhe, será uma frase atribuída a ninguém. Coisas de domínio público. Feito o medo da morte.

Que tipo de pessoa permite ser fotografado doente, seminu, com o tórax depilado, cicatrizes de peixeira, uma sutura transamazônica na altura da cava, a veia pega, cabos eletrônicos afixados com cuspe no peito, uma mangueirinha de plástico enfiada desde o nariz até o estômago para drenar excreções retidas e, por fim, apesar de todo este complexo aparato hospitalar, sorridente, a exibir o famoso Sinal do Triplo Escarpado, sua marca registrada, com os dedos polegar, indicador e médio da mão direita esticados para o alto — Paz, Amor e Trabucos — fartamente utilizado durante a campanha eleitoral?

Pra baixo todo santo ajuda. O presidente não cansa de surpreender. Quase sempre da pior maneira. Quando se imagina que baixou o facho, que já sossegou os rompantes histriônicos, eis que protagoniza outra patacoada. Desta feita, acabou internado na ala das baianas de um hospital para celebridades em Pasárgada — onde não é amigo de ninguém, quem dirá, do rei — para se tratar de sestros, soluços e terríveis dores mentais. O que se esperava numa situação como aquela seria um pouco mais de decoro e de discrição, reações comezinhas para qualquer ser humano arrebatado por sérias moléstias. Ao invés de zelar da própria intimidade, enquanto moribundo famoso, fez o que a maioria de nós, certamente, não faria se estivesse na bacia das almas, internado numa enfermaria manicomial: deixou-se fotografar na intimidade de sua miséria, numa abjeta estratégia de promoção pessoal.

Já tinha feito coisa parecida noutras ocasiões, inclusive, simulando os simulacros de arco-e-flecha com as mãos e os braços dentro de uma caçamba da UTI, numa das cenas mais patéticas desde que Boris Yeltsin foi pego bêbado, somente de cuecas, no jardim da Casa Branca, tentando sair para comer pizza. Portanto, não dá para ser injusto e afirmar que esse tipo de doideira aconteça apenas neste reino de mentecaptos assumidos. Uma coisa é certa: se baixaria fosse critério para medir o IDH, estaríamos no topo da lista.

Cabeça de político não para de maquinar nem por um minuto. Esses caras são treinados para confundir, para inverter o ônus da mentira e para permanecer no poder. Toda e qualquer irrisória possibilidade de exposição da imagem é explorada à exaustão, sempre visando às próximas eleições. Nota-se na midiática foto do déspota desnudo, a presença de um homem estranho ao seu lado, trajado com uma bata escura, tipo frei capuchinho, portando no pescoço uma corrente metálica grossa e um gigantesco crucifixo dourado, propício, quem sabe — não sou especialista em demônios — mais para a prática de exorcismo do que, propriamente, para a extrema-unção dos enfermos.

Espero que o presidente se safe deste perrengue. Falo sério. Não vou pagar de santo. Por outro lado, não agirei como um boçal irretocável, a ponto de torcer pelo sucesso das tripas e das coenzimas, claramente implicadas com o livre trânsito intestinal de Sua Excelência. Sei que os tempos são outros; que cloroquina, se não mata, engorda; que todos enlouqueceram de vez, mas, apesar disso, ainda sou adepto da punheta-com-a-mão-trocada e da empatia, contrariamente ao próprio presidente que, por várias ocasiões, comportou-se de maneira indiferente, quando não, cínica e jocosa, no que tange aos milhares de patrícios mortos pela terrível pandemia de medo-da-ciência.

Suponho que a tecnologia de ponta e o competente corpo clínico-mediúnico que hora cuida do célebre paciente serão adequados para restabelecer a saúde do mesmo, devolvendo-o são e salvo para o cotidiano tribulado, tumultuoso e atabalhoado das aglomerações de desmascarados, dos cercadinhos de viciados em tretas, dos malabares circenses, das entrevistas destemperadas, dos improvisados discursos de baixo calão, ocasiões nas quais flerta com o capeta, engole espada, cospe querosene em chamas, cria polêmicas infrutíferas, maltrata jornalistas, estilistas e transformistas, ameaça as demais autoridades constituídas da república e ainda dá um chute no cachorro que estava ali só observando.

Um governo só acaba quando termina. Política também é um jogo. O presidente precisa de saúde suficiente para terminar o seu mandato e a grande piada que ninguém entendeu ainda, além de esclarecer uma série de fofocas e denúncias que não cessam de pipocar. Pedir político para ter bom senso, para dizer a verdade, é que nem dar murro em ponta de faca. Mesmo assim, a gente sangra, a gente se lasca e espera que a verdade, enfim, prevaleça. Mais do que jovens, somos idiotas.

A foto do sujeito nu-em-pelo, cicatrizado, combalido, rejeitado sobre um catre hospitalar, acenando com o famigerado Sinal do Triplo Escarpado, a estampar um sorriso ao estilo Jack Torrance no filme “O Iluminado”, de Stanley Kubrick, ungido por um homem estranho e devoto do caos que bem poderia ser um guru, um padre, um bispo, um DJ ou o fantasma de Zé-do-Caixão, é apenas mais um dentre tantos episódios bisonhos, bombásticos, a envolver o mandatário maior da República de Pasárgada, alguém que foi elevado ao poder por meio do voto popular em urnas eletrônicas impopulares movidas à pilhas AAA; um timoneiro de quem jamais se espera o confronto direto contra icebergs, mas, pelo contrário, o cabelo, o exemplo, a serenidade e a sisudez nas doses apropriadas; além de hombridade, bom humor, ironia fina e um bocado de equilíbrio emocional para suportar as enormes pressões inerentes aos cargos intestinos. Mole não está, mas, com um pouco de bom humor, a gente aguenta.