Formigas, poesia e energia nuclear

Formigas, poesia e energia nuclear

Falando sobre importâncias, o poeta Manoel de Barros escreveu: “o cu de uma formiga é mais importante para o poeta do que uma Usina Nuclear”. Leitores menos acostumados ao universo manoelino poderão achar a frase demasiadamente chula para um poema. Não a tomem como chulice gratuita. Essa é apenas a linguagem pura e solta com a qual Manoel de Barros tece a sua poesia. Eu admiro. Nós, escrevinhadores mineiros, somos cheios de etiquetas e mesuras e, em geral, não temos essa vocação. Não vejo mal nenhum. A poesia é livre feito passarinho. É lícito apreciar tanto a elegância de Drummond quanto o lirismo despojado de Manoel.

Retomemos a comparação. Ao afirmar que, para o poeta, o ânus de um inseto tem mais importância do que uma usina nuclear, o autor nos fala de individualidade, de liberdade e de respeito. As pessoas vestem as coisas do mundo com diferentes significâncias. Manoel de Barros, por exemplo, não tem nenhum pudor em assumir o seu gosto pelas coisas desimportantes. O poeta pantaneiro vai mais além e cultua especial afeição pelas ignorâncias. Sobre essas, o outro Manuel, o Bandeira, declarou certa vez: “É preciso saber escolher as próprias ignorâncias”. Sábios, cada um a seu modo, os dois “Manuéis” aprenderam a servir-se da ignorância para viver melhor.  

Eu passaria o texto inteiro discorrendo sobre a anatomia das formigas, mas tenho que falar sobre as usinas nucleares e vocês entenderão por quê. Faz alguns dias, ouvi a Rosana Jatobá, sempre bela e baiana, comentando com Sardenberg sobre o retorno da energia nuclear. Achei que esse assunto estivesse morto e enterrado, assim como as vítimas de Chernobyl e Fukushima. Que nada! Escutei bestificado que a nuclear seria mais limpa do que a solar e a eólica e que, por isso, a própria ONU a estaria defendendo. Quando a breve audição acabou, pensei: tema tão complexo mereceria explanação mais demorada e, idealmente, presencial. Assumi que permaneceria horas à sombra da Jatobá até entender tudo direitinho.   

Como esse interlúdio era bastante improvável, fiquei especulando sozinho com meus calejados botões. Na minha cabeça, a energia nuclear é uma entidade do mal. A sua utilização me remete a materiais belicosos, risco de acidentes graves, lixo radioativo e outros venenos escondidos. No entanto, repensemos. A ONU, sabida como ela é, deve ter um bom motivo para advogar a favor da política nuclear. E tem. Segundo Rosana, o principal argumento é que a energia nuclear não produz os gases que causam o efeito estufa; com isso, seria capaz de conter eficazmente o aquecimento global. Aí, a coisa muda de figura. Se for pro bem do planeta, quem sabe não conseguimos amansar essa megera indomável (a energia, não a ONU).

Nas minhas viagens especulativas, cheguei à conclusão de que todas as fontes energéticas petróleo, carvão, ventos, sol, urânio acabam causando algum prejuízo ao ambiente e aos viventes. Umas mais, outras menos, mas todas são falíveis. Eu acreditava que extrair energia do vento era um negócio muito ecológico. Achava bonito aqueles ventiladores gigantes trabalhando pra nos oferecer a eletricidade impoluta. A tese caiu por terra quando ouvi um entendido falando que os parques eólicos devastam vegetações, afugentam animais, estragam o solo e até incomodam o sono dos moradores. Que coisa! Gerar energia tem sempre os efeitos colaterais. É como se o mundo se alimentasse e se intoxicasse comendo a mesma comida. Como diria a ex-presidente Dilma, de certa forma “vai todo mundo perder”. É o preço.

Os apologistas do urânio alegam também que essa seria a única fonte com capacidade de atender à demanda de eletricidade no mundo. Viver hoje sem eletricidade é quase impossível, mas será que não conseguiríamos, pelo menos, abrandar essa fome elétrica insaciável? Não sei. Talvez eu esteja sendo romanesco demais. Que trem difícil! Ainda bem que não sou cientista e posso me recolher na fácil ignorância dos ineptos. Abdico, inclusive, do instrutivo colóquio que mencionei acima. Que fique bem claro: abdico de aprender com a Rosana sobre energia sustentável. Se a pauta for poesia e outras amenidades, mantenho que ficaria largas horas à sombra da Jatobá.