A tristeza é uma mosca a nos rodear

A tristeza é uma mosca a nos rodear

Pergunto aos amigos o que eles fazem quando se sentem tristes. Quando me sinto triste, choro. Então, me acalmo, hidrato os cabelos, pinto as mechas com nuanças de arco-íris e saio pedalando sem as mãos no guidom. O otimismo é um dom que merece ser adubado. Aliás, quando me sinto triste, pratico jardinagem, ensino a terra a me comer com jeitinho, pelas beiradas: aquela coisa bíblica de voltar ao pó, aquela coisa etílica de me sentir meio só. Daí, converso com as plantas, cravo as unhas no solo, abraço uma árvore e conto dos meus podres para as frutas-de-vez. Apanho pitanga no pé. Ponho uma tanga floral. Pego sol e vitamina D para não me foder. Há uma pandemia correndo lá fora, a despeito do meu estado imunológico. Pode parecer ilógico e imaturo da minha parte — por favor, não publique isto no seu novo texto — mas, toco punheta sempre que me sinto triste. Quer participar? Não, obrigado? Tá virando uma coisa meio viciante essa coisa de anular dor com prazer. A tristeza é uma mosca a nos rodear. Nesses casos, o que eu faço é ludibriá-la, humilhá-la e, temporariamente, esquecê-la. Quando me sinto triste, assisto a desenhos animados, filmes de comédia ou telefono para um amigo que possua alegria acima da média. O mínimo que se espera de um homem espirituoso é que ele ria da própria desgraça. Jamais será má ideia tomar café para ressuscitar um dia que parecia morto. Faço faxina. Leio Bukowski. Penso em cuzinhos. Cozinho delícias pesquisando receitas na internet. Sento no chão. Aprecio a montanha de pratos que anseiam ser lavados. Vocês vão continuar aí, seus imundos. Quando me sinto triste, penso na minha mãe, no seu café coado em coador de pano, à moda antiga. O seu colo tinha calo, do tanto que eu me deitava nele. Me empanturro com chocolate meio amargo, me embriago com vinho demi-sec, me engano com as meias-verdades. Nem tudo são flores para uma pessoa destituída de fé. Torço pelos gafanhotos. Arranco as pragas da grama. Prego cristos na cruz. Esfrego o clitóris na cama. Pratico carpintaria. Construo os meus próprios labirintos com madeira de demolição. Saio do eixo. Quebro a mobília. Restauro os brinquedos. O segredo é confundir os sentidos. Quando me sinto triste, ouço o álbum “Beatles For Sale” pela enésima vez. É um hábito antiquado, contudo, eficiente. Apesar de serem cantadas na língua inglesa, os vizinhos já decoraram as letras de Lennon & McCartney. All we need is love, folks. Brinco com meu cachorro. Mijo na areia do gato. Invado o jardim de um militar da reserva que cria passarinhos em cativeiro, abro as gaiolas e passo bosta na maçaneta. Quando me sinto triste, toco violão, escrevo memórias, leio os livros contábeis, lavro a terra e planto sementes de dias melhores. Então, eu danço, mas, só se não tiver ninguém olhando. Sinto vergonha de que a felicidade apareça nua. Encho a cara de cerveja. Esvazio um engradado. Durmo, em estado comatoso, velejando à deriva, por um mar tantas vezes naufragado. Quando me sinto triste — um degredado — vou para cama e durmo. Tem sempre um sonho bom me esperando do outro lado.