Você pensa que estou louco, mas, estou só me curando

Você pensa que estou louco, mas, estou só me curando

Há uma ira aqui por dentro que passa longe de uma suposta sanha por violência. Melhor seria chamá-la de indignação. Saiba que não visto mais a camisa das causas que não me dizem respeito. Não se aflija. Nunca soquei um homem. Talvez, isso explique a formidável insegurança que comanda os meus neurônios. Por favor, não force. A minha paz interior tem o queixo de vidro. É preciso ter cuidado para não tropeçar em tapetes mágicos e cair na esparrela de fraturar os ossos de um dia comum.

Busco as frases certas para que os seus ouvidos me escutem. Preste atenção. As árvores emprestam-me os seus galhos tortuosos em abraços de fé e de consolo. Se, como eu suponho, corre seiva nas suas veias, eu asseguro que regarei as suas raízes com o sangue nervoso dos meus olhos. Eles são o retrato fiel do meu desvelo, da minha vontade e do meu comprometimento. Eu luto por certas convicções como se fossem pratos de comida. Fome não se explica; sacia-se.

Não se apoquente. Não penso comer você. Como poderia? Eu só quero conversar. Pare. Abra os braços. Sorria. Ouça-me como se não existisse o Facebook. Vamos conversar de árvore para árvore. Você pensa que estou louco, mas, estou só me curando. Pode crer, há muitos pensamentos desconexos, sementes caídas por acidente no terreno árido da minha mente. Anatomia e poesia são incompatíveis com o estado de espírito. Hoje, por exemplo, estou convicto de que quem pensa, de fato, é o cérebro; não o coração. O coração apenas pulsa. Eis a sua sina fisiológica, um tanto ilógica, é verdade. Uma bomba ativa, bitolada, que pulsa vitalidade pelo caule e pelos canudos do organismo, vinte e quatro horas por dia, nos dias bons, nos dias ruins, quase sempre no mesmo compasso, sem chegar a lugar nenhum, senão a si mesmo, um labirinto orgânico por onde o sangue circula sem sopitar.

Ninguém sabe nada. Nem eu. Nem Fernando Pessoa. Nem o dono da tabacaria. Não conheço Portugal, mesmo assim, sofro ímpetos de voltar a escrever poesia e me mudar para lá. Tem muita gente por aqui falando em se mandar. Dizem que é um país de culinária incrível, povo acolhedor; uma nação segura onde passear por ruas e vielas sem ser trucidado. Gosto do cheiro de bacalhau que as pessoas têm. Sim, sou um sujeito estranho. O enfisema anda fora de moda. Morre-se muito mais pela boca. Isso o Ministério da Saúde não adverte. Ok. Ok. Ok. Você pode abaixar os seus braços agora e acender um cigarro. Quisera fumar também. Mas, sou prisioneiro de vícios menos nobres, como açúcar e melancolia. É o fim da linha para tantos quereres, para aqueles que se tornaram razoáveis demais num mundo tomado pelo desatino.

A relva treme sob o vento forte que varre o litoral. Aproxima-se de nós outro homem sisudo, amofinado por mais um radiante dia de sol. Ele arranca, sem a classe que se espera, um impecável paletó de grife italiana. Deve trabalhar num banco, numa igreja ou nas Lojas Pernambucanas. Afrouxa o nó da gravata. Senta-se na areia fofa. As manchas de petróleo, finalmente, desapareceram. É preciso agradecer a Deus e aos crustáceos por mais esse milagre dos sete mares. Os seus cabelos esvoaçam ao ritmo das folhas dos coqueiros. Há muitos homens e coqueiros tristes nessa faixa de praia. Ele observa o vai-e-vem das ondas. Acende um Jeronimo’s. Fuma, também, o infeliz. Retira do bolso o papel timbrado do laboratório, em que seguem anotadas, em negrito, palavras duríssimas contra o real estado da sua saúde.

Sinucas de bico. A vida é repleta de gols de placa e sinucas de bico. Gaivotas fazem voos rasantes em busca de comida na rasura da água. Por instantes, ele lamenta não ter nascido ave. São coisas que acontecem quando bate o desespero. É por isso que sou árvore. E você pode pousar em mim sempre que tiver vontade.