Minha entrevista com Elton John

Assim que adentrei o camarim de Elton John senti o baque dos 19 graus centígrados na cacunda, uma exigência do cantor para tocar em Goiânia, capital plantada no meio do cerrado, na quentura do centro-oeste brasileiro. Elton pareceu-me gordinho, usava um roupão de cor grená e tinha os pés massageados por um serviçal efeminado adornado com mais anéis e piercings do que um varal de roupas no jardim, o qual utilizava um cosmético local feito à base de pequi, produto genuinamente goiano, que deixa a pele hidratada, macia e, claro, com aquele aroma de pequi que o Elton simplesmente achou o máximo.

Como se fora um presidiário de Pedrinhas do Maranhão, eu cravara mais um furo e quase perdera a minha cabeça, não por degola de estilete, não um furo de chucho no meio das vísceras mas, um baita furo de reportagem e um êxtase contido por estar ali a entrevistar um ícone da música pop mundial, uma das mais respeitadas celebridades do showbiz, um nobre cavaleiro da coroa britânica.

Desacostumado à pontualidade dos ingleses, fiz das tripas croissant para chegar no horário agendado com seu agente. Eu receava encontrar um Elton John sisudo, impaciente, mal humorado, suado e monossilábico. Que nada. Munido com aquela peculiar polidez britânica, Sir Elton foi logo me pedindo para sentar numa almofada lilás cravejada com lantejoulas em formato de tamanduá-bandeira (outra exigência bizarra do pop-star), e ordenou que me servissem também um pouco daquele delicioso suco de mangaba com mama-cadela, frutinhas deliciosas do cerrado (quando se encontra algum cerrado intacto, é claro). De quebra, mandou que o massagista magricelo esparramasse um bocado daquele extrato fedorento de pequi nos meus ombros, para que eu relaxasse e me sentisse mais à vontade, gentileza da qual declinei. “Sorry, but I’m allergic to pequis, man”. Todos nos bastidores riram bastante por eu ter me esquivado daquele mimo a utilizar uma evasiva hétero.

Enquanto conversamos, Elton trocou os óculos ao menos três vezes, e eu fiquei particularmente fascinado por aqueles de cor amarelo ouro, cor de pequi maduro, vocês sabem. Gostei tanto que ele, ao perceber o brilho nos meus olhos, presenteou-me. Estômagos regados a suco de mangaba com mama-cadela, nosso papo fluiu como se estivéssemos fazendo unhas e sobrancelhas num salão de belezas. Foi tudo tão descontraído e agradável que eu até penso alguém colocou um bocado da boa pinga de engenho que se destila aqui nestas plagas. Elton John não deu chiliques. Elton John não foi marrento. Um de meus heróis musicais a tudo respondeu, sem rodeios e — melhor de tudo — cantando as respostas à capela.

Eu — Você já declarou várias vezes que um dos shows mais marcantes da sua carreira foi aquele de 1974, no Madison Square Garden, quando cantou com John Lennon. Passados mais de trinta anos desde que ele tombou sob os pipocos da pistola insana de Mark Chapman em Nova Iorque, o que dizer sobre a falta que John tem feito ao mundo atual, através das suas contribuições musicais, declarações politizadas e tudo mais?

EJ — Sorry seems to be the hardest word.

Eu — Com tanto tchê-tchê-rê-rê-tchê-tchê tocando nas rádios brasileiras (e até noutros países), eu possuo uma mórbida e reincidente atração pelas canções melancólicas da minha juventude, pérolas que você gravou, como “Rocket Man” e “Goodbye Yellow Brick Road”. A tristeza — como disse Gustave Flaubert — é mesmo um vício, Tom?

EJ — Sad songs say so much. I guess that’s why they call it the blues.

Eu — Nos anos de 1970, você vendia uma imagem de artista extravagante, amalucado e camaleônico. Qual foi a cantada mais maneira que você já aplicou num cara?

EJ — You can tell everybody this is your song.

Eu — Você ouve música brasileira? Qual cantor tupiniquim mais lhe surpreendeu nos últimos tempos?

EJ — The one: Daniel.

Eu — Sei que você gosta de futebol e que até já foi dono de um deles, o Watford FC. O assunto é muito polêmico e politizado, mas o fato é que o governo brasileiro tem gastado uma grana indecente para garantir a realização de um evento da rica e poderosa FIFA aqui no nosso país. Qual será o legado do povo brasileiro depois que alguém levantar o caneco e os cartolas internacionais se mandarem ainda mais ricos do que quando entraram?

EJ — Sacrifice.

Eu — A moda agora é o povo se insurgir — os chamados “justiceiros” —, capturar supostos criminosos com as próprias mãos, castigá-los e os amarrar nus, feito animais selvagens, num poste da esquina. Onde é que a gente vai parar assim, meu ídolo?

EJ — Act of war. Captain Fantastic and the brown dirty cowboy. Easier to walk away.

Eu — O que você pensa a respeito das doações na internet, da ação entre amigos, das vaquinhas petistas para pagar as multas do judiciário brasileiro?

EJ — Friends never say goodbye.

Eu – Defensor da causa gay e da luta contra a AIDS no planeta, você certamente já ouviu falar do Bolsonaro, um especialista em polêmicas, truculência e homofobia. Qual a sua opinião?

EJ — Madman across the water. The bitch is back.

Eu — A despeito de tanta violência e iniquidade planeta afora, você ainda acredita que o ser humano tenha conserto? Você acredita no amor?

EJ — I believe in love.

Eu — O que dizer quando um grande amor termina, Tom?

EJ — Don’t go breaking my heart.

Eu — Ainda que não esteja despedaçado, o que esperar de um coração que já não ama mais?

EJ — Empty garden.

Eu — O que mais o impressionou na nossa bonita, arborizada, quente e violenta Goiânia?

EJ — Blue eyes. The way you look tonight. We all fall in love sometimes. Can you feel the love tonight?

Eu — Ai, ai ai… Pega leve, meu ídolo. E você aí, massagista magrelo, para de esfregar creme de pequi nos pés do Elton, pois a coisa toda já passou dos limites! Voltando à vaca fria, my friend: como Elton John se define hoje?

EJ — Victim of Love.

Eu — Pra fechar o nosso papo, antes que nos embriaguemos de afeto e admiração mútua, que mensagem você gostaria de deixar aos seus fãs brasileiros?

EJ — You got to love someone.