Uma mulher sem um homem é como um peixe sem uma bicicleta

Uma mulher sem um homem é como um peixe sem uma bicicleta

A frase acima, atribuída à escritora feminista Gloria Steinem, passou a ter sua autoria disputada depois de viralizar na internet. Independente da autoria, entende-se seu sucesso. Ela transpõe uma infinidade de conceitos e teorias acerca do feminino no mais eficaz do imagético, o absurdo. Impossível não pensar no bicho em cima da bike! E também impossível não rir daquilo que ainda é drama para muitas mulheres: a crença deturpada e mentirosa de que, para uma mulher, ter um homem ao lado é imprescindível para ser feliz, completa e realizada. Surpreendentemente, até algumas revolucionárias caíram nessa falácia.

A mexicana Frida Kahlo, por exemplo, literalmente pintava a cara de Diego Rivera na própria testa em seus autorretratos, como na tela Diego y yo. A artista passou a vida idolatrando o pintor, que, tecnicamente, era inferior a ela. A escultora Camille Claudel também passou por algo similar. Aluna e amante de Rodin, sabotada pelo irmão invejoso que a trancou em um sanatório até a morte, só teve o valor de seus trabalhos reconhecido décadas depois. Por muito tempo, consideraram suas criações como sendo cópias de peças de seu parceiro. Teoria derrubadíssima, já que Camille hoje é vista como a aluna que ultrapassou o mestre. Estas são apenas duas das incontáveis genialidades sabotadas pela ideia da dependência feminina. Há muitas outras, milhões de anônimas, do passado e contemporâneas.

É que passaram séculos incutindo em nossas mentes que somos piores que os homens. Foram gerações transmitindo a obrigação de nos colocarmos como dependentes para que eles pudessem nos desejar. A sensação é tão arraigada que às vezes, mesmo mais conscientes, ainda vacilamos, voltando a acreditar nisso em alguns momentos. Eu confesso que parte da minha revolta com circunstâncias de preconceito ou abuso dessa natureza tem a ver com meu passado. Já me coloquei em situações de menos-valia por medo de não ser amada por um homem. E considerei a fantasia da submissão como única realidade possível para ter um amor. Foi uma fase de decadência, que só provocou mais sofrimento. Precisei quebrar a cara com muitos caras para entender que estar sozinha realmente pode ser melhor que viver mal-acompanhada. Sem um parceiro, desagradei a outras pessoas, que me cobravam um relacionamento. Aí cansei de tentar agradar a todo mundo. Aceitei que minha essência não cabe em qualquer molde. Só assim pude encontrar alguém que respeita e admira isso. Tenho apreço pelo que sou e não me faço de outra para ser querida.

Se a gente colocar na ponta do lápis, a realidade da mulher é de ascensão. A independência financeira tem ajudado. O número de famílias chefiadas por mulheres mais que dobrou em 15 anos. O resultado disso é o crescimento do respeito profissional: pagar nossas contas ajudou a fortalecer nossa voz.

Por meio do entendimento, concretizamos cada vez mais o direito de escolher. Com isso, começamos a desconstruir a mentira castradora e maliciosa de que mulheres nasceram para encenar os papéis sociais pré-definidos de esposa e mãe. E de que sua única realização advém dos cuidados com marido e filhos. Nesse sentido, prefiro ser considerada libertina e da rua a recatada e do lar como forma de garantir minha liberdade. Sou muito maternal e ótima companheira. Amo estar em família, justamente porque não me subordinei à suposta obrigação de fazê-lo. E jamais ficaria em casa 24 horas por dia, cuidando de criança e das rotinas domésticas, simplesmente por não precisar de dinheiro. O trabalho e a existência não se limitam a ter comida na mesa. Não é porque temos biologicamente a potência de conceber que estamos interessadas em dedicar 100% das nossas vidas aos outros. Podemos ser mães, atletas, caminhoneiras ou transexuais, e ninguém tem nada a ver com isso. Nada disso é necessariamente excludente: apenas não estamos mais à mercê da aprovação masculina. Não há volta atrás nisso. Antes de sermos mulheres, somos pessoas, e temos sonhos que ultrapassam ter um homem na nossa cama!

Desconfie das intenções daqueles que dizem o contrário. Afinal, o peixe pode até andar de bicicleta. Mas por que pedalar não seria uma decisão dele?