Viver é aprender a dizer adeus para certas coisas

Viver é aprender a dizer adeus para certas coisas

Está rolando uma campanha nas redes sociais: “Desafio 10 Years Challenge”. A ideia é comparar a aparência em duas fotos, uma de 2009 e outra de 2019. Deu vontade de entrar na brincadeira. Vasculhei retratos antigos. Comecei revirando a última década, mas fui para além dos últimos dez anos… Descobri que fotografias são esconderijos do tempo. É como aquele poema de Mario Quintana: “Quando se vê, passaram 60 anos”. Peguei uma foto antiga e encontrei uma mulher que tinha traçado algumas metas para a vida. Depois peguei a foto atual e encontrei outra mulher, com outros sonhos realizados e outro destino (antes, inimaginável!) traçado. Levei um susto. Não pela aparência física, nem pelo caminho que segui; mas por perceber quanta coisa deixei para trás — as boas e as ruins.

Quando percebi, passaram dez anos num estalar de dedos. Os esconderijos do tempo me trouxeram imagens que estavam perdidas em minhas lembranças. Cangas estiradas na areia da praia, gaivotas voando sobre o rio de Veneza, brindes de champanhe em copos plásticos sob a Torre Eiffel, medalhas por participação em corridas de rua. Uma passeata, um piquenique, um carnaval. Amigos da faculdade, colegas do primeiro emprego, vizinhos da outra casa.

Aquelas fotos também me trouxeram toda gente que passou por minha vida e não ficou; assim como os lugares, as paisagens e os pores do sol que não sei se os verei novamente um dia. Elas me revelaram que há um sentimento por trás da imagem: um abraço carinhoso entrega a ausência de quem partiu para longe; um gesto de ternura revive a saudade da infância; as poses das amigas em frente ao espelho refletem amizades que já morreram. Nem tudo que duraria para sempre permaneceu vivo — a não ser em fotografias.

Os momentos eternizados por essas fotos nos mostram que não podemos mudar o passado, mas podemos aceitá-lo e seguir em frente. É que a percepção do passar do tempo nos traz a nebulosidade da vida: vivemos entre o sonho e a realidade. Como disse Lya Luft, “as contradições do tempo são as nossas: ele mata, ou eterniza, e para sempre estará conosco aquele cheiro, aquele toque, aquele vazio, aquela plenitude, aquele segredo”.

Tempo. Se você pudesse voltar no tempo, o que faria diferente? Me peguei pensando nisso. Viajei pela roda-gigante da minha saudade. Revivi meus medos. Encontrei os receios mais íntimos, aqueles que dormem embaixo do travesseiro. Pesadelos. Nas lembranças e histórias do passado, encontrei a mim mesma, em meu tempo, em meu esconderijo: aquela jovem mulher que eu havia me esquecido — isso tudo por causa de uma vida em fotografias.

Não sei se eu mudaria alguma coisa. Talvez. Mas, por mais doloroso que tenha sido os desagrados e as despedidas, as ausências e os pesares, acho que teria feito tudo igual. Porque, mesmo que, às vezes, surja a nostalgia pelo que já foi ou pelo que nunca será, as fotografias me revelaram que vivi muitas coisas boas!

Escolhi as fotos do antes e depois e publiquei. Foi divertido e fácil. Mas, percebi que nosso verdadeiro desafio é bem maior do que simplesmente escolher duas imagens e postá-las. A grande provocação é encarar o passado e aceitar que pessoas, momentos e lugares vão-se embora.
Por isso, com a serenidade de quem fecha um álbum de fotografias e o devolve ao seu lugar na estante (a mesma estante onde moram os poetas em seus livros que usei para essa crônica), cito a poesia de Drummond: “Sossegue, o amor é isso que você está vendo: hoje beija, amanhã não beija, depois de amanhã é domingo e segunda-feira ninguém sabe o que será”.

Título adaptado de uma frase de uma história em quadrinhos de Mauricio de Sousa.