Nem todo João é de Deus

Nem todo João é de Deus

Não sou um sujeito confiável. Eu vendo conselhos. Por isso mesmo, entendam de uma vez por todas, caros irmãos: nem todo João é de Deus. Não idolatrem mais ninguém. Nem pai. Nem filho. Nem espírito-de-porco. Amem. Simplesmente, amem pessoas à exaustão, ao máximo que a bile e o coração possam suportar. Não ponham gente de carne-e-osso fedendo nos sovacos sobre um altar. Ninguém é santo. Ninguém foi forjado a partir do barro. A carne é frágil e, quando menos se espera, surpreende, fere. Faz séculos que somos matilhas de feras domesticadas vivendo loucuras controladas. Não vou fazer troça com o desalento e a crença de quem quer que seja, contudo, reitero: não endeusem mais ninguém. Nem o Moro. Nem o Lula. Nem o Santo Daime. Nem o Dalai Lama. Nem o pé-de-goiaba. Nem a Sua Santidade. Pau que dá em Chico dá em Papa Francisco. Não cometam o risco de colocar num pedestal nem mesmo o suposto grande amor de suas vidas. A morte vem para cada um. É líquido e certo como a cicuta. Não tem unguento que cure esse dilema. Faz parte da dúvida ancestral de ter vindo ao mundo sem um manual de sobrevivência minimamente plausível. Somos desconhecedores natos dos porquês existencialistas, uma condição absolutamente irritante, sob o meu ponto de vista. Ah, vasta estupidez, vê se me erra. Não insistam, desencanem: não dá para matar a morte. Da mesma forma, não nos é possível apartar a sorte. Não somos gado para que barbantes invisíveis despenquem do alto a fim de nos tanger a fé. Isso aqui é uma nota em desagravo aos ímpios que creem piamente em patavina nenhuma. Aliás, deem mais corda ao calhorda herege que lhes escreve. Não se humilhem por nenhuma criatura claudicante do planeta. Não dobrem os joelhos pelos homens de má-fé. Acreditem no que quiserem, mas, incluam-me fora de qualquer tipo de fanatismo. Vou muito mal, obrigado, não há de quê, passem bem. Pensem bem. Não tratem as moléstias incuráveis com desespero de causa. Cuidem-se da melhor forma que puderem, com o suporte probo, as favas contadas da ciência, mais os excessos de bem-querência dos humildes de coração. Abracem quem vocês conseguirem, como se esse recurso fosse um remédio, com muita delicadeza, sem tédio, imaginando trespassar as carnes, mutuamente, fundindo um corpo noutro corpo. Não permitam que as suas almas se desmanchem na brisa feito fumaça de cigarro. Cuidado: gente chata dá câncer, mais que o tabagismo. Sofrer é brasa; para muitos, um vício. Evitem fumar. Evitem me odiar. Mantenham distância de pessoas que murcham vasos de avenca. Conversem, sim, com o motorista, na maior positividade. Em busca da felicidade, segue-se a pé ou de ônibus, tanto faz. Eu prefiro o bônus de pegar a vida descendo, quer dizer, eu sigo voando com as asas do pensamento. Aceitem mais essa sina: ninguém vai pro céu, senão de cruzeiro aéreo, flutuando a 11 mil pés de um mundo repleto da mais pura ignorância.