Aquele livro que você tentou ler, mas, desistiu, porque não entendeu ou não teve saco para continuar lendo

Aquele livro que você tentou ler, mas, desistiu, porque não entendeu ou não teve saco para continuar lendo

Livro, carro e mulher não se emprestam. É o que se diz por aí. Eu emprestaria Os “Sertões”, de Euclides da Cunha, numa boa. Nem precisava devolver. Cederia também, de bom grado, o meu carro démodé, desde que ele retornasse com o tanque de combustível cheio, os pneus calibrados, as multas pagas e uma gata-em-teto-de-zinco-quente (com sérios problemas de visão) no banco do carona. Quanto à minha mulher, não posso garantir que cometesse tamanho disparate ao cedê-la a outrem. Primeiro, porque mulher não é chave-de-roda, não é propriedade de homem para ser empregada como se fosse um objeto, por mais que muitas delas se esforcem em parecer como tal. Segundo, porque a probabilidade dela não voltar para os meus ais, uis e snifs seria enorme. Ou seja, as mulheres são imprestáveis; eu, também.

Tenho a sensação de que nunca se leu tão pouco no Brasil. Refiro-me aos livros. Facebook, Instagram, Twiter, bula de antidepressivos, para-lamas de caminhões e blogs de dondocas não contam. Aliás, no quesito gastar mal o próprio tempo, estamos, a maioria das almas desgraçadas, fodidos e mal encarnados. Juro que pequei. Faz alguns dias, fui pego de calças curtas, ao ser presenteado com um livro por uma paciente num postinho de doenças onde trabalho. O mimo foi inusitado. Já tinha ganhado compotas de doce, ovos de galinha caipira e bandas-de-leitoa; livros, nunca. Era “O Jogo da Amarelinha”, de Julio Cortázar; uma edição antiga, usada, em regular estado de conservação.

Tentei deslanchar na leitura, mas, não deu certo. Empaquei logo nas primeiras páginas, irritado com a sequência numérica de capítulos sugerida pelo autor. Também não me senti seduzido pela trama chata e confusa. O fato de não conseguir concluir a leitura de um livro com qualidade reconhecida pela crítica especializada me deixou deveras acabrunhado, diminuído. Já tinha acontecido com “Dom Quixote”, outro presente, recentemente. Estaria a maturidade me deixando mais estúpido que o de costume?

Eu supus que o meu fracasso na leitura daquele livro pudesse ser também de outros leitores. Logo surgiu a ideia de aplicar uma pesquisa informal nas famigeradas redes sociais, território de demônios. Com o apoio da Revista Bula, questionamos os leitores se já tinham passado pelo desgosto de abandonar um clássico, fosse por falta de paciência, fosse por excesso de tédio, fosse porque não tinham entendido patavina nenhuma da narrativa. Não senti o menor constrangimento. Admitir é melhor do que mentir. A compilação dos comentários rendeu uma espécie de lista negra dos clássicos da literatura mais intragáveis de todos os tempos. Que nos perdoem pela fraqueza os nossos diletos e abnegados professores de literatura, que têm entrada privilegiada, líquida e certa, pelos portões do paraíso.