Ambientado na Carolina do Sul de 1776, “O Patriota” é menos um retrato histórico da Guerra de Independência dos Estados Unidos e mais uma fábula cinematográfica ancorada no melodrama familiar, nos arquétipos heróicos e na fantasia patriótica. O protagonista, Benjamin Martin, interpretado por Mel Gibson, é um fazendeiro viúvo e veterano da Guerra Franco-Indígena que tenta renunciar à violência de seu passado brutal para proteger os sete filhos da convulsão política crescente. No entanto, o assassinato brutal de um de seus filhos por um coronel britânico impiedoso, Tavington, rompe qualquer promessa de neutralidade. A partir desse momento, o personagem embarca em uma jornada de vingança pessoal, formando uma milícia improvisada com camponeses, ex-combatentes, escravizados e religiosos, numa luta desesperada contra as forças britânicas até a chegada dos franceses. Ainda que se apoie em figuras e eventos vagamente históricos, o filme nunca pretendeu ser uma aula de história e sim um espetáculo emocional sobre redenção, paternidade e sacrifício.
O que distingue “O Patriota” de produções similares como “Coração Valente”, “Gladiador” ou “Cruzada” não é a precisão histórica, que inexiste, mas sua habilidade em dramatizar o conflito interno de um homem em meio ao colapso de uma ordem colonial. Como nos épicos de guerra com tintas nacionalistas, o filme de Roland Emmerich opta por uma reinterpretação abertamente ficcional dos eventos, exagerando atrocidades britânicas, invertendo fatos históricos e romantizando o papel dos colonos americanos. A libertação de escravizados por tropas patriotas, algo raro à época, e a invenção de um vilão de contornos quase caricaturais são exemplos claros dessa liberdade criativa. Contudo, esses desvios não são necessariamente falhas, mas escolhas conscientes de um cinema voltado à emoção, ao heroísmo e ao entretenimento, e é sob essa ótica que o filme encontra sua legitimidade. Para o espectador disposto a suspender o julgamento factual, a narrativa oferece batalhas grandiosas, personagens marcantes e dilemas morais universais.
Embora alguns críticos se apeguem à ausência de rigor histórico como demérito, é preciso reconhecer que a proposta do filme não é documental, mas simbólica. O diretor Emmerich, conhecido por seu domínio do cinema de ação, entrega aqui um drama familiar travestido de epopeia revolucionária. O pano de fundo bélico, ainda que impreciso, serve como uma moldura para conflitos profundamente humanos: culpa, perda, coragem e redenção. A figura de Benjamin Martin, um híbrido ficcional inspirado em múltiplos personagens reais, assume contornos míticos. Seu arco de transformação, do pacifista atormentado ao líder de resistência, reflete menos a história de uma nação nascente e mais a de um homem tentando restaurar a dignidade pessoal diante do caos. É essa dimensão emocional, ancorada por uma performance intensa de Mel Gibson e coadjuvantes carismáticos como Leon Rippy e Jason Isaacs, que sustenta o filme mesmo nos momentos em que o roteiro resvala na grandiloquência ou no maniqueísmo.
Ainda assim, “O Patriota” desperta debates legítimos sobre o modo como o cinema hollywoodiano constrói narrativas nacionais. Ao dividir o mundo entre heróis virtuosos e vilões cruéis, o filme apela a um público acostumado a arquétipos claros e resoluções catárticas. No entanto, essa simplificação pode soar artificial, sobretudo aos olhos de um espectador não-americano, que percebe o excesso de patriotismo como um filtro que distorce o conteúdo histórico. Se por um lado a emoção é o motor da história, por outro, o apagamento de nuances e a fetichização da bravura americana revelam o desejo de criar uma mitologia conveniente, que transforme dores reais em alegorias de glória. O resultado é um filme que entretém com eficácia, e é isso que muitos espectadores esperam de obras desse tipo —, mas que, ao mesmo tempo, convida a uma leitura crítica sobre como guerras são contadas, lembradas e, principalmente, reinventadas.
Portanto, assistir “O Patriota” é mergulhar em uma versão hollywoodiana de um passado reinventado, algo entre o delírio heróico e o conto moral. Sim, há inverossimilhanças, como tiroteios impossíveis ou vilões que lembram desenhos animados pela falta de sutileza. Mas também há momentos de potência emocional autêntica, cenas de bravura filmadas com competência e uma construção dramática que ressoa com temas universais. Quem busca fidelidade histórica deve procurar livros, documentários ou produções como as de Ken Burns. Mas quem aceita o pacto ficcional proposto por Emmerich encontrará aqui um espetáculo bem produzido, com um ritmo envolvente e uma história que, mesmo romantizada, toca em feridas que permanecem abertas: a violência da guerra, o preço da liberdade e a fragilidade da paz. “O Patriota” é menos um reflexo fiel do passado e mais um espelho das emoções humanas diante da perda e da luta.
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