No Brasil, livros não costumam ser proibidos — pelo menos, não de maneira oficial. Mas o que se escolhe não distribuir também comunica. Quando o Ministério da Educação retira um título de seus programas federais, como o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), ou simplesmente deixa de selecioná-lo, esse gesto carrega implicações que ultrapassam a logística. Ele diz, de maneira sutil, o que se entende como aceitável, pedagógico, adequado. E também o que, talvez, não se queira ver circulando com selo institucional.
São decisões que ocorrem longe do barulho — em comissões técnicas, reuniões fechadas, pareceres que raramente viram notícia. Mas seus efeitos chegam às escolas. Professores deixam de ter acesso gratuito a obras que poderiam enriquecer debates em sala de aula. Alunos passam a depender de redes pessoais ou da iniciativa individual para encontrar certos livros. E, muitas vezes, nem percebem que algo ficou de fora.
Importante destacar: esses títulos seguem sendo vendidos livremente, nas livrarias e online. Não foram proibidos nem censurados. O que houve, em todos os casos, foi a escolha deliberada de não os incluir nas listas de distribuição governamental. Ainda assim, para autores e educadores, a ausência pesa. Sobretudo porque, em alguns casos, os livros excluídos tratam justamente de temas sensíveis, como racismo, sexualidade, política ou violência.
Não há necessariamente um padrão ideológico entre os vetos. Eles ocorrem em diferentes gestões, sob justificativas distintas: conteúdo “desalinhado”, linguagem inadequada para a faixa etária, problemas técnicos, ou até pressão social. Em comum, apenas a sensação de que nem toda exclusão é neutra.
E talvez esse seja o ponto central. A política de livros públicos não diz só respeito à leitura — diz respeito à formação. Ao que se prioriza, ao que se omite. E também, de maneira indireta, ao que se espera que os estudantes pensem, sintam ou jamais leiam em voz alta.
Afinal, no universo da educação, o que não se entrega também ensina.

A existência de um protagonista atravessa décadas de mudanças sociais e políticas, entrelaçando infância, juventude e maturidade no percurso de alguém constantemente deslocado e em busca de pertencimento. O relato, impregnado de humor ácido e delicadeza, mergulha nas dores da rejeição, na força dos laços afetivos e na experiência da homossexualidade em uma sociedade marcada por preconceitos e silêncios. O tom, ora sarcástico, ora comovente, conduz o leitor por ambientes urbanos e rurais, fugas e reencontros, amizades improváveis e amores interrompidos. A narrativa avança com ritmo de crônica, mesclando cenas cotidianas e eventos históricos, enquanto cada personagem secundário contribui para o mosaico de uma vida tecida de perdas e pequenas conquistas. A perspectiva íntima se cruza com a crítica social, expondo fragilidades e contradições de uma cultura em transição, onde a esperança insiste em resistir ao peso da intolerância. O desfecho se constrói menos como resposta do que como abertura para a continuidade, afirmando a dignidade e a persistência de quem, apesar das cicatrizes, segue desejando e inventando novos modos de existir. Em 2018, a comissão do PNLD vetou a inclusão do romance em acervos escolares federais, alegando que o tratamento explícito de sexualidade, violência e crítica à religião seria inadequado ao ambiente escolar, decisão formalizada em ata e comunicada às editoras e às secretarias estaduais de educação.

Um homem mergulha em um universo de violência e desejo, atravessando ruas e corredores onde o anonimato é tanto proteção quanto condenação. A voz narrativa é seca, marcada por frases curtas e um olhar desconfiado sobre o mundo, enquanto o protagonista, tomado por impulsos e memórias fragmentadas, tenta desvendar os limites de sua própria moralidade. A rotina é povoada por encontros fugidios, perseguições e crimes, em uma atmosfera na qual a brutalidade não oferece catarse, apenas perpetua o ciclo de culpa e sobrevivência. Os afetos, rarefeitos, são contaminados pela impossibilidade de redenção, e o tempo se dilata em meio a lembranças de juventude, perdas e pequenas lealdades. Cada personagem que cruza o caminho do protagonista carrega uma opacidade irredutível, evidenciando a solidão que se esconde por trás da fúria e da ternura insuspeita. Em meio a investigações e fugas, o texto nunca recorre ao espetáculo da violência, preferindo sussurrar seu impacto através de silêncios e detalhes banais. O desfecho, evitado com elegância, não oferece alívio, apenas a constatação de que, no limite, viver é confrontar a si mesmo nos recantos mais sombrios da existência. Em 2012, o FNDE, atendendo recomendação da comissão técnica do MEC, determinou a retirada do romance de acervos escolares distribuídos em programas federais, justificando a decisão pelo teor de violência, sexualidade explícita e abordagem adulta, a partir de questionamentos surgidos em secretarias de educação do Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Um homem recém-viúvo, já na velhice, é lançado à solidão de um asilo, onde a rotina e as memórias passam a constituir sua única paisagem. A narrativa, conduzida por uma voz desarmada e por vezes amarga, acompanha o processo de adaptação a esse universo de ausências e encontros improváveis, enquanto o protagonista revisita passagens de uma existência marcada por perdas, afetos interrompidos e pequenas alegrias esquecidas. Entre companheiros de infortúnio, constrói-se uma convivência permeada de resistência, humor e melancolia, na tentativa de resgatar a dignidade diante do tempo implacável e da burocracia que rege os últimos anos. A escrita, poética e pulsante, evoca o fluxo da consciência e a dificuldade de comunicar o indizível, permitindo lampejos de ternura mesmo quando a esperança parece enfraquecida. Cada diálogo revela, nas frestas do desencanto, a busca por sentido e pertencimento, compondo um mosaico humano feito de histórias pessoais e de uma história coletiva marcada pela opressão. O romance se recusa a oferecer consolo fácil, preferindo confrontar o leitor com a necessidade de reinventar a si mesmo mesmo quando o fim já parece próximo. Em 2014, o FNDE excluiu a obra da seleção final do PNBE, após parecer da comissão técnica que apontou o caráter eminentemente adulto da narrativa, temas como solidão, morte, fluxos de consciência e reflexões filosóficas como inadequados ao público escolar, recomendando a não distribuição às bibliotecas de ensino fundamental e médio.

Um narrador irônico percorre a cidade em meio a uma sucessão de episódios marcados pelo excesso, pela busca desenfreada de prazer e pelo improviso. O texto se constrói em primeira pessoa, com linguagem escancarada e referências pop, retratando um cotidiano atravessado por encontros sexuais, drogas, festas e situações-limite, em que o humor e a provocação são elementos centrais. A narrativa avança como um fluxo contínuo de associações, delírios e crônicas urbanas, onde o protagonista se vê às voltas com dilemas de criação, crise existencial e o peso das próprias escolhas. O ambiente caótico não esconde uma pulsação vital: nos intervalos de sarcasmo, irrompem momentos de vulnerabilidade, pequenas epifanias e fragmentos de uma humanidade que insiste em resistir ao vazio. As relações são transitórias, as amizades improváveis, e a cidade, palco de contradições, abriga tanto o grotesco quanto o sublime. O ritmo vertiginoso dispensa julgamentos, apostando na potência do desbunde e na liberdade formal como resposta ao tédio e à caretice. Ao final, o texto desafia qualquer tentativa de moralização, preferindo celebrar a vitalidade anárquica do desejo e da palavra. Em 2014, a obra foi vetada na fase de avaliação do PNBE por decisão do FNDE, que considerou seu conteúdo explicitamente sexual, uso recorrente de linguagem vulgar e episódios de violência incompatíveis com a política editorial do programa e o perfil do público escolar. A decisão foi tornada pública em ata oficial da comissão avaliadora.

A chegada inesperada de uma criança com síndrome de Down força um homem a confrontar as imagens idealizadas de si mesmo e da paternidade. Narrado com honestidade cortante, o percurso desse escritor se constrói no vaivém entre o desejo de escapar da responsabilidade e o reconhecimento, cada vez mais nítido, da humanidade profunda que emerge de suas falhas e limitações. A rotina, marcada por consultas médicas, descobertas e frustrações, desenha uma jornada interna na qual a linguagem se mostra incapaz de dar conta da realidade, enquanto o protagonista se debruça sobre memórias, arrependimentos e a lenta construção de um vínculo inédito. Cada pequena vitória, cada gesto inesperado do filho, irrompe contra o pano de fundo de uma sociedade despreparada para a diferença, fazendo da experiência paterna um campo de luta entre expectativas do passado e as demandas urgentes do presente. Aos poucos, o olhar do protagonista se transforma, e aquilo que parecia sentença se converte em possibilidade, dilatando as fronteiras do amor, do fracasso e da reinvenção. A narrativa, despojada de sentimentalismo, se impõe como testemunho da complexidade de aceitar o outro — e a si mesmo — em sua inteireza, sem redenções fáceis ou respostas prontas. Ao final de 2010, o MEC, por orientação técnica do FNDE, suspendeu a distribuição do romance para bibliotecas escolares, alegando que sua linguagem e reflexões existenciais eram inadequadas para o público infantojuvenil, decisão que partiu da comissão de avaliação do programa e foi comunicada oficialmente às secretarias de educação estaduais.

Um ghost-writer brasileiro se vê envolvido por um idioma e uma cidade estrangeira que lentamente tomam conta de sua identidade. A narrativa, marcada por uma ironia sutil e um olhar inquieto, alterna entre o universo familiar e o estranhamento diante de uma cultura desconhecida, onde o protagonista oscila entre dois mundos, dividido pelo desejo de fuga e a nostalgia do que deixou para trás. O texto explora o deslocamento físico e simbólico, construindo um jogo de espelhos em que o anonimato da profissão se confunde com a dissolução da própria voz. A relação com a língua húngara funciona como metáfora do desejo de reinvenção, ao mesmo tempo em que acentua o sentimento de desenraizamento. As relações afetivas se mostram permeadas por ambiguidade, distância e o risco permanente do equívoco. Pequenos episódios cotidianos adquirem contornos de fábula, enquanto a busca por sentido é atravessada pela melancolia e por uma ironia que recusa sentimentalismos. No final, a experiência do protagonista evidencia o fascínio e o preço de transitar entre mundos, idiomas e afetos, celebrando a instabilidade como modo de existir. Em 2014, o romance foi excluído da lista final de títulos distribuídos pelo PNBE, por decisão técnica da comissão do FNDE, que apontou o caráter adulto da narrativa, referências sexuais e temáticas de identidade como incompatíveis com os objetivos pedagógicos do programa para o público escolar. A exclusão foi registrada em parecer público encaminhado às editoras e às secretarias de educação.

O narrador reconstrói, a partir de fragmentos de memória e confissão, os acontecimentos que transformaram radicalmente sua juventude. Um acidente inesperado impõe o luto do corpo, exigindo uma reinvenção cotidiana diante das perdas físicas e emocionais. A narrativa oscila entre o humor corrosivo e a melancolia, traduzindo em linguagem direta e desprotegida as experiências de dor, hospitalização e as tentativas de reconstruir o desejo de futuro. A voz do protagonista, lúcida e irônica, percorre as relações familiares, afetos frágeis, amizades e paixões interrompidas, compondo um painel da vida universitária, da rebeldia política e das pequenas insurreições privadas dos anos finais da ditadura. O texto avança em ondas: ora recusa a autopiedade, ora se permite ao desalento, mas nunca abdica do movimento vital de reler o passado à procura de sentido. O tempo, aqui, não é linear: cada recordação faz da memória um território de sobrevivência, e cada pequena vitória se apresenta como gesto de resistência ao esquecimento e à estagnação. Em 2016, o FNDE, sob recomendação da comissão de avaliação do MEC, recusou a inclusão do romance no PNBE, justificando a decisão pelo uso recorrente de linguagem adulta, abordagens de sexualidade, drogas e temas existenciais, considerados inadequados para acervo escolar juvenil. A decisão foi comunicada oficialmente às secretarias de educação estaduais e municipais.

O protagonista circula por uma metrópole exaurida, sufocada pela escassez e pelo autoritarismo, numa distopia em que a sobrevivência se transforma em resistência silenciosa. A narrativa acompanha o desmoronamento das certezas cotidianas diante de catástrofes ambientais, repressão política e uma violência que se infiltra nos interstícios da vida urbana. A voz narrativa, seca e incisiva, alterna perplexidade e rebeldia, enquanto o personagem principal atravessa ruínas e burocracias, reencontrando em cada gesto a memória de um país possível e a ferida de um futuro interditado. O tempo é circular, reiterando a opressão e o desencanto, ao mesmo tempo em que pequenas insurreições se insinuam nos detalhes: uma conversa sussurrada, o desejo de fuga, a obstinação de permanecer íntegro mesmo sob ameaça. O texto nunca se rende ao desespero, mas tampouco oferece redenção fácil; antes, aposta na potência do testemunho e da linguagem para nomear a crise, rasurando as fronteiras entre esperança e desencanto. O percurso, embora árido, se recusa à resignação, reafirmando a capacidade de sonhar diante do colapso. Em 2011, após avaliação da comissão técnica do FNDE, o romance foi suspenso do processo de seleção do PNBE, por orientação formal do MEC, em função da abordagem considerada pessimista, das cenas de sexo e crítica política intensa, entendidas como inadequadas para distribuição escolar nacional.

Uma jovem mulher experimenta o mundo como um território de sensações intensas, explorando pensamentos e desejos que desafiam limites impostos pela tradição e pelo cotidiano. A narrativa, conduzida por uma voz introspectiva e fragmentária, atravessa memórias da infância, encontros e desencontros afetivos, e inquietações existenciais que escapam à ordem linear do tempo. O fluxo de consciência da protagonista revela um universo em que palavras buscam alcançar o inatingível, oscilando entre ternura e rebeldia, solidão e descoberta. Pequenos gestos e diálogos insinuam conflitos profundos, enquanto o silêncio adquire espessura de acontecimento. As paisagens íntimas ganham forma no detalhe do olhar, no gesto interrompido, na dúvida que se repete. A escrita, tensa e inventiva, recusa clichês, apostando na invenção de um idioma próprio para dar conta da estranheza de estar viva. Em meio à rotina ordinária, despontam lampejos de liberdade e transgressão, marcando a busca pela autenticidade mesmo diante do desconcerto. O romance se recusa à reconciliação fácil, deixando ao leitor a tarefa de desvendar, nas entrelinhas, o mistério do que permanece indizível. Em 2012, a seleção do PNBE optou por não incluir o romance em sua lista, após parecer técnico do FNDE que apontou a complexidade do texto, o teor adulto das inquietações existenciais e o fluxo narrativo experimental como inadequados para estudantes do ensino médio, decisão comunicada oficialmente a editoras e escolas.

O protagonista navega por um território onírico e sombrio, onde a violência se faz linguagem e a beleza assume contornos de pesadelo. A voz que conduz a narrativa rejeita a esperança e celebra o delírio, misturando sarcasmo, horror e ironia em um fluxo contínuo de imagens que desafiam o leitor. O percurso é feito de provocações, blasfêmias e paradoxos, em que cada cena, fragmentada e excessiva, parece desestabilizar qualquer noção convencional de moralidade ou redenção. Não há lugar para a linearidade: tudo pulsa em estado de urgência, ora lírica, ora brutal, enquanto figuras monstruosas e visões grotescas emergem a cada página. O tempo é difuso e os personagens — anônimos ou arquetípicos — se movem como espectros de um mundo irremediavelmente corrompido. A experiência da leitura é menos um convite do que um desafio, uma travessia pelo avesso do humano em que a crueldade, a paixão e a solidão se misturam ao desejo de romper limites. O narrador, em permanente estado de insubordinação, transforma o caos em estética, devolvendo ao leitor a tarefa de reconstruir sentido entre escombros e vertigens. Em 2014, após análise da comissão técnica do PNBE, o FNDE determinou a exclusão da obra dos acervos escolares federais, alegando inadequação do conteúdo ao público jovem e à proposta pedagógica do programa, principalmente por sua linguagem radical e cenas de violência e erotismo, decisão ratificada em nota publicada no Diário Oficial da União.