A vida é curta para tantos livros. O século 21 é de fato um tempo de relações líquidas, no qual tudo parece urgente, exceto o que tem importância. Os dias se sucedem num ritmo frenético e acabamos tragados pela roda-viva da falsas necessidades, das cobranças, do trabalho mecânico e insignificante, do tédio. A verdadeira fruição da vida são os momentos em que sorri-nos a chance de experimentar a contemplação despretensiosa e lembrarmos de nós mesmos, e muito desse gozo está nas páginas de um livro. Ler é mais do que um passatempo. É uma forma de expandir horizontes, de conhecer o mundo, de conhecer-se a si mesmo e de se transformar.
Bons livros são os primeiros degraus de uma subida longa ao infinito, um éden distante da superficialidade da matéria, do cansaço do mundo, da invencível estupidez humana. Livros concentram as vidas que poderiam ser as nossas e aquelas com as quais não temos ponto de contato algum, e ainda assim quantas lições tiramos delas! Num romance, deparamo-nos com sentimentos que não são exatamente nossos, mas que nos tomam de qualquer forma. Diante de um ensaio filosófico, aguça-se em nós a curiosidade intelectual que fomenta uma atroz revolução, início de um processo vagaroso, mas terapêutico, a corda jogada ao afogado num mar de procela. Por meio da leitura, o cérebro interpreta símbolos e os verte em conhecimento. E o conhecimento salva.
Clássicos da literatura como “Dom Quixote” (1605), “Grande Sertão: Veredas” (1956) e “Cem Anos de Solidão” (1967), são bons livros porque resistem ao tempo e continuam a dialogar com novas gerações. Neles estão contidos dilemas existenciais, personagens complexos, beleza estilística. Um bom livro de ficção também é capaz de apresentar ideias elaboradas acerca de qualquer assunto, provocando questionamentos poderosos o bastante para figurar numa tese acadêmica. Encontrar bons livros é o estágio inaugural de descobertas preciosas, dádiva que pode alongar-se até a undécima hora de uma existência ditosa ou fracassada. Os três títulos mencionados acima figuram, junto de mais sete, nesta lista das obras a serem lidas antes que tudo se desvaneça. São exemplos de até onde chega o gênio de nossa espécie em construções que primam por apuro narrativo, sofisticação exegética, poesia, ao passo que instigam a mudança, imprescindível num ser dotado de paixões e raciocínio lógico.

“Ensaio sobre a Cegueira”, de José Saramago, é uma poderosa alegoria sobre a fragilidade da civilização diante do caos. A narrativa começa com um homem que, subitamente, perde a visão. Logo, a cegueira branca se espalha como uma epidemia, afetando uma cidade inteira. Os afetados são isolados em quarentena, e o enredo se desenrola a partir da convivência forçada e da luta pela sobrevivência dentro desse espaço degradante. Saramago explora com maestria a degradação das estruturas sociais e morais quando os pilares da ordem desaparecem. A ausência de nomes nos personagens — como “o médico”, “a mulher do médico” — reforça a universalidade da condição humana. A escrita peculiar do autor, com frases longas e pontuação não convencional, exige atenção, mas também aproxima o leitor da angústia e do desespero retratados. No centro da história está a única personagem que mantém a visão, a mulher do médico, que se torna guia e testemunha da desumanização e, ao mesmo tempo, da resistência. O romance é uma crítica contundente à indiferença, ao egoísmo e à brutalidade que podem emergir em tempos de crise. Ensaio sobre a Cegueira é, acima de tudo, um alerta sobre a importância da empatia e da solidariedade.

“Cem Anos de Solidão”, de Gabriel García Márquez, é uma obra-prima do realismo mágico que narra a saga da família Buendía ao longo de sete gerações na fictícia cidade de Macondo. Com uma prosa rica, poética e envolvente, Márquez mistura o fantástico com o cotidiano, criando um universo onde o irreal se torna natural. O romance explora temas profundos como o tempo cíclico, o destino, a solidão e a repetição dos erros familiares. A história começa com José Arcadio Buendía, fundador de Macondo, e acompanha seus descendentes em uma espiral de paixões, guerras, descobertas e tragédias. Cada personagem, com suas particularidades, contribui para a atmosfera onírica e melancólica que permeia o livro. A escrita de Márquez encanta pelo lirismo e pela capacidade de transformar eventos banais em experiências mágicas. Mais do que uma simples narrativa familiar, o romance é uma alegoria da história da América Latina, marcada por conflitos políticos, colonização e uma busca incessante por identidade. “Cem Anos de Solidão” não é apenas uma leitura, mas uma imersão em um universo encantado e trágico, que permanece atual e impactante. É uma obra essencial para quem deseja compreender a força da literatura latino-americana.

Publicado postumamente em 1958, O Leopardo é o único romance de Giuseppe Tomasi di Lampedusa e uma das obras-primas da literatura italiana do século 20. Ambientado na Sicília do século 19, durante o processo de unificação da Itália (o Risorgimento), o romance acompanha o príncipe Fabrizio Salina, aristocrata decadente que observa, com melancolia e lucidez, o declínio de sua classe social e a ascensão da burguesia. Com uma prosa refinada, nostálgica e filosófica, Lampedusa constrói um retrato profundo de um homem em conflito com a inevitabilidade das mudanças históricas. O príncipe Salina, cético e introspectivo, é o emblema de uma nobreza orgulhosa, mas antiquada, que não consegue se adaptar aos novos tempos. Sua frase mais célebre, “É preciso que tudo mude para que tudo continue como está”, resume o espírito do romance: uma crítica sutil à ilusão de transformação em meio à permanência das estruturas de poder. O Leopardo é mais do que um romance histórico; é uma meditação sobre o tempo, a morte, a memória e a identidade. Através de sua atmosfera elegante e desencantada, Lampedusa oferece um olhar agudo sobre a transitoriedade da glória e a resistência às transformações sociais.

Como Dante Alighieri (1265-1321), Guimarães Rosa também se meteu a inventar uma língua própria. Em “Grande Sertão: Veredas”, o autor amalgama gírias, regionalismos, as falas arcaica e moderna, sem nenhum pejo de ferir a susceptibilidade do cânone. A sabedoria do mundo para Rosa é a das gentes dos intestinos do Brasil, todas elas se ajuntando na deserdão das Gerais. Épico e moderno, clássico e revolucionário, “Grande Sertão: Veredas” aborda, como só Guimarães Rosa mesmo seria capaz, o misticismo, o heroísmo, a vilania, a metafísica do homem do campo, do lavrador, do vaqueiro, mas também sua natureza telúrica, em que o chão sagrado das veredas mineiras é o maná do conhecimento mais profundo. Já no nome de seu protagonista, Rosa faz menção à importância dos recursos naturais, em especial da água, e de sua preservação como condição fundamental para a vida do homem — e o sertanejo, antes de tudo um sábio, tem isso entranhado em sua carne dura. Guimarães Rosa toda a vida foi um visionário, um sujeito que enxergava muitos planaltos à frente de seu tempo, e expunha, entre muitos dos argumentos de “Grande Sertão: Veredas” o caos da vida na Terra patrocinado pelo caráter predatório do gênero humano, ávido por consumir, por destruir, por (des)matar. Riobaldo, ex-jagunço, vai narrando, entre desconfiado e solícito, suas pelejas, seus anseios, seus deleites, suas agruras. E o amor, que tenta a todo custo sufocar, por Diadorim.

A luta pela sobrevivência impele-nos a assumir uma postura mais agressiva diante dos outros e esse personagem não demora a ser incorporado à nossa natureza, com a providencial ajuda das várias dificuldades que se agigantam nos cenários extremos em que a vida, caprichosa, transforma-se num palco tétrico onde se chega para matar ou para morrer. Indivíduos são esbulhados de seu arbítrio e de sua sensibilidade e se convertem num prolongamento da consciência coletiva, não pensam mais pela própria cabeça e veem-se obrigados a se submeter a expedientes os mais vis, não por covardia, mas por não poderem contar com ninguém. Ao suscitar questões como truculência policial, intolerância, patrulhamento ideológico, políticos ineptos, juventude perdida e delinquente, “1984” é um monumento imperecível à liberdade em seu conceito mais elementar, partindo dele para elaborações bem mais sofisticadas e herméticas, que até passam batidas em meio à insânia do nosso tempo, capaz de converter em democracias governos flagrantemente abusivos e mesmo totalitários. Publicado em 1949 por George Orwell (1903-1950), “1984” de tempos em tempos balança a letargia que abestalha-nos a todos, decerto porque a realidade sempre consegue ser mais cruel.

Publicado em 1942, O Estrangeiro, de Albert Camus, é uma das obras mais emblemáticas do existencialismo e do pensamento do absurdo. O romance narra a história de Meursault, um homem apático e indiferente diante da vida, que vive sob uma lógica fria e racional, desprovida de emoção. A trama tem início com a morte de sua mãe, evento que ele encara com extrema indiferença, o que choca a sociedade ao seu redor. Camus constrói um protagonista que desafia os valores tradicionais, como empatia, moralidade e religiosidade. Meursault não mente para se encaixar ou agradar, e sua honestidade brutal o torna um “estrangeiro” no mundo. A segunda parte do livro foca no julgamento de Meursault por ter matado um árabe, mas sua condenação parece mais ligada à sua frieza diante da morte da mãe do que ao crime em si. A linguagem é direta, seca e coerente com a personalidade do protagonista. O romance é uma reflexão profunda sobre a condição humana, a ausência de sentido e a busca de autenticidade em um mundo absurdo. O Estrangeiro permanece uma leitura provocadora, que convida o leitor a questionar suas próprias crenças e reações diante da vida e da morte.

Publicado em 1924, A Montanha Mágica, de Thomas Mann, é uma obra-prima da literatura moderna que mergulha nas complexidades do tempo, da doença e da existência humana. A narrativa acompanha Hans Castorp, um jovem engenheiro alemão que visita um sanatório nos Alpes suíços para ver seu primo doente e acaba permanecendo lá por sete anos. Ao longo de sua estadia, Hans passa por uma profunda transformação intelectual e espiritual, influenciado por personagens simbólicos como Settembrini, defensor da razão e do humanismo, e Naphta, que representa o misticismo e o autoritarismo. O romance, com seu ritmo deliberadamente lento, explora o tempo subjetivo e utiliza o espaço isolado do sanatório como metáfora para a Europa pré-Primeira Guerra Mundial — doente e à beira de um colapso. Mann utiliza diálogos filosóficos densos e descrições minuciosas para discutir temas como a morte, a moralidade, o progresso e a natureza humana. A Montanha Mágica é uma leitura exigente, mas recompensadora. Sua riqueza simbólica e profundidade intelectual fazem dela uma obra fundamental para quem busca compreender as tensões espirituais e culturais do início do século 20. É um livro que desafia o leitor a refletir sobre o tempo, a vida e os limites da razão.

Ulisses, de James Joyce, é uma obra-prima modernista que revolucionou a literatura do século 20. Publicado em 1922, o romance narra um único dia — 16 de junho de 1904 — na vida de Leopold Bloom, um homem comum que percorre as ruas de Dublin. A estrutura da obra é uma reinterpretação da Odisseia de Homero, com Bloom assumindo o papel de Ulisses, enquanto outros personagens, como Stephen Dedalus, ecoam figuras mitológicas. A escrita de Joyce é marcada por inovações estilísticas, como o fluxo de consciência, jogos de linguagem e múltiplas vozes narrativas, o que desafia a linearidade tradicional da narrativa. A complexidade do texto exige um leitor atento e paciente, mas recompensa com uma profundidade emocional e filosófica rara. Mais do que uma simples jornada urbana, Ulisses explora temas como identidade, paternidade, sexualidade, alienação e o papel da memória. A atenção minuciosa de Joyce à linguagem e aos detalhes cotidianos transforma o banal em poesia. Embora frequentemente considerado hermético, Ulisses é uma celebração do espírito humano, da cidade e da linguagem. É um livro exigente, mas profundamente gratificante, cuja influência é sentida até hoje na literatura contemporânea. Uma leitura essencial para quem busca entender os limites e o poder da narrativa literária.

Poucos artistas no mundo encarnaram com tanta perfeição a dicotomia fundamental do amor como Jane Austen (1775-1817) ou suas personagens — o que vêm a dar no mesmo. Uma das escritoras que melhor retratou o lado obscuro da sociedade em que viveu, sobretudo para as mulheres, a inglesa só veio a ter reconhecido o talento que manifesta em livros como “Orgulho e Preconceito” muito tempo depois de sua morte, em 18 de julho de 1817, aos 42 anos, vítima do mal de Addison, uma doença autoimune a respeito da qual nada se sabia duzentos anos atrás. “Orgulho e Preconceito”, originalmente publicado em 1813, funciona como o mecanismo de escape pelo qual almas inquietas feito Austen liberam de vez seus anseios por uma sociedade de fato justa, em que todas as mulheres pudessem ter espaço para que sua porção Elizabeth Bennet medrasse. A anti-heroína de um dos romances mais simbólicos da literatura britânica do século 18 sonha, mas jamais ousa abrir mão de sua liberdade, de seu equilíbrio mental, e muito antes disso, de sua honra e de uma espécie de pacto consigo mesma.

Dom Quixote, escrito por Miguel de Cervantes no início do século 17, é considerado uma das maiores obras da literatura mundial. A narrativa acompanha Alonso Quixano, um fidalgo espanhol que enlouquece após ler inúmeros romances de cavalaria e decide tornar-se um cavaleiro andante, adotando o nome Dom Quixote de La Mancha. Montado em seu cavalo Rocinante e acompanhado por seu fiel escudeiro Sancho Pança, ele parte em busca de aventuras, lutando contra moinhos de vento que acredita serem gigantes e tentando impor justiça em um mundo que já não compreende a linguagem da cavalaria. A genialidade da obra está na fusão de comédia, crítica social e reflexão filosófica. Cervantes satiriza os ideais ultrapassados da cavalaria medieval, ao mesmo tempo em que celebra a persistência do sonho e da imaginação humanas. A relação entre Dom Quixote e Sancho Pança, marcada pelo contraste entre idealismo e pragmatismo, confere profundidade e humanidade ao romance. Mais do que uma paródia, Dom Quixote é uma poderosa meditação sobre a fronteira entre realidade e ilusão, razão e loucura. Sua relevância permanece atual, inspirando leitores a questionar o mundo à sua volta e a valorizar o poder transformador da imaginação. Uma obra-prima atemporal.