A literatura, com suas diversas formas e estilos, tem o poder de entreter, educar, provocar e transformar. No entanto, em meio à vastidão de obras disponíveis, algumas recebem elogios artificiosos e injustificáveis, que resultam numa aclamação a que só a burrice coletiva deste insano século 20 pode dar lastro. Tal percepção abre um campo fértil para debates sobre o que faz uma obra literária ser considerada valiosa e, o principal, quem determina esse valor. Quando alguém diz que um livro é sobrestimado expressa um desapontamento muitas vezes idiossincrásico — mas que pode, sim, ter fundamento racional. Isso explica-se, em parte, ao chamado hype, uma tendência qualquer que, por um motivo quase sobrenatural, torna determinada publicação um objeto do desejo.
Investimentos portentosos em marketing, campanhas publicitárias rumorosas e elogios de famosos nas suspeitas (e odientas) redes sociais criam aquela espuma por baixo da qual nada há além de logro e platitude. Influenciadores digitais tomam o lugar de quem entende do riscado e critérios técnicos, estéticos ou mesmo políticos, por que não?, são vistos como manifestações de preconceito, aporofobia, alienação de uma elite malvada. A grande ironia é que, com um único encômio acerca de determinado livro, o tal influenciador pode embolsar milhares de reais. É o estelionato cultural.
A preferência literária respalda-se numa miríade de fatores. Um livro pode ser amado por alguém que se vê em sua história ou estilo, enquanto para outro leitor ele pode ser superficial ou tedioso. A pluralidade de gostos é uma das grandes belezas da vida. O que é monótono para um, pode ser emocionante para outro. O que parece raso a alguns, pode estimular uma multidão. A leitura é uma experiência íntima e bastante subjetiva. Certo, concordamos com tudo isso. Porém, há uma medida nas coisas.
Qualquer um nota quando começa a se formar um arrastão em favor de certos autores, o que acaba por levar a uma espécie de ditadura mental, que encarcera, tortura e lincha a reputação daqueles que ousam ir contra a corrente. Paulo Coelho talvez seja o exemplo mais bem-acabado dessa cristalização do escritor de sucesso, cuja obra passa longe de valores artísticos — e há que se apontar a gradação entre arte, cultura, entretenimento e lazer —, e, em assim sendo, encabeça essa lista, com dez exemplos de como pensa o mercado editorial. No caso do Mago de Si Mesmo, a massificação das redes nada tem a ver com seu êxito interplanetário, o que torna o cenário ainda mais aterrador.

“O Alquimista” desperta desinteresse por se apoiar em lugares-comuns, contradições e um uso questionável da língua portuguesa. Além disso, sua superficialidade o enquadra perfeitamente no modelo das obras literárias que simulam sofisticação sem, de fato, alcançá-la. Dentro do universo das produções de gosto duvidoso, esse texto de Paulo Coelho se destaca como exemplar. O autor dá ao público exatamente aquilo que este deseja — uma espécie de rodízio literário, variado, mas carente de refinamento. Isso porque, infelizmente, a esse público foi negada a oportunidade de saborear a verdadeira poesia, tornando-o, no banquete da literatura, não um gourmet, mas um grande consumidor de fast food cultural.

Gosta-se ou não de Colleen Hoover e do que representa — e eu estou no segundo grupo. Superestimadíssimo, “É Assim que Acaba” apresenta Lily e Ryle, um casal insosso que passa por atribulações violentas. Há quem ache que se Hoover corresse menos e tentasse elaborar contrapontos na personalidade do protagonista masculino talvez tornasse mais verossímil o amor dos dois. Lily é uma garota vinda de uma cidadezinha do Maine para Boston, onde se forma em marketing e abre a própria floricultura. Num dos famosos terraços de Boston ela conhece Ryle, um neurocirurgião ambicioso e arrogante, com uma grande aversão a relacionamentos, mas que se sente muito atraído por ela. Quando os dois se apaixonam, Lily se vê no meio de um relacionamento turbulento que não é o que ela esperava. Mais manjado, impossível.

Após os acontecimentos marcantes do primeiro livro, Colleen Hoover inicia esta sequência exatamente do ponto em que a história anterior foi encerrada, mergulhando o leitor diretamente nas vidas de Atlas e Lily e em suas jornadas emocionais. Lily e seu agora ex-marido, Ryle, estão se adaptando a uma nova dinâmica de guarda compartilhada quando, sem planejar, ela reencontra seu primeiro amor, Atlas Corrigan. Depois de quase dois anos afastados, o destino finalmente parece favorecer os dois, e Lily aceita sem hesitar um convite para um encontro. Seu entusiasmo cede lugar à realidade de que, apesar de não estarem mais casados, Ryle ainda faz parte constante de sua vida. Hoover alterna os pontos de vista de Lily e Atlas, e “É Assim que Começa” retoma a trama exatamente do fim do epílogo anterior. A autora esmiúça o passado do protagonista, mantendo em perspectiva Lily, que não desiste do verdadeiro amor. Haja estômago.

“Tudo É Rio” se desenrola numa época vaga, anterior à internet, marcada por silêncios e ausências. Dalva, inicialmente retratada como uma mulher virtuosa e devotada ao marido, Venâncio, vê sua vida desmoronar após um episódio brutal. Venâncio, incapaz de lidar com seus próprios sentimentos, cede a um surto de ciúmes ao presenciar a esposa amamentando o filho. A reação é devastadora: ele agride Dalva, arranca o bebê de seus braços e o arremessa, causando uma perda irreparável. Dalva perde, de uma vez, o filho, a fé e qualquer vestígio de afeto pelo marido. O enredo mergulha em uma sucessão de dores e escolhas infelizes. Venâncio passa a se envolver com Lucy, uma prostituta da Casa da Manu, cuja trajetória até o bordel é marcada por abandono e sofrimento. Mesmo diante do histórico violento de Venâncio, Lucy acaba se apaixonando por ele, numa repetição dos ciclos de submissão e desejo distorcido. Dalva, embora continue sob o mesmo teto, se isola em um silêncio punitivo que dura quase sete anos — um castigo frio e passivo para o homem que destruiu sua vida. A velha cantilena feminista, cheia de maniqueísmos.

Raphael Montes odeia a burguesia do Brasil. O problema é que, mesmo com quase 400 páginas, essa crítica nunca se aprofunda. Ela aparece de maneira superficial, quase descuidada. O canibalismo, que inicialmente parece um recurso interessante, logo toma o protagonismo da narrativa, empurrando a crítica social para o plano de fundo. Embora os dois elementos caminhem juntos ao longo da história — o horror explícito e a crítica social —, a reflexão proposta se mantém rasa. As cenas de gore ganham injustificado destaque, muitas vezes se sobrepondo ao propósito crítico. As descrições de mortes, torturas e sangue parecem girar em torno de si mesmas, sem chegar a lugar algum além do impacto gratuito. Além disso, Montes tenta construir personagens moralmente ambíguos, mas o resultado soa forçado. Especialmente no caso do protagonista, há uma tentativa de envolver o leitor em um dilema ético — “e se fosse você?” — que se torna difícil de aceitar, dado que estamos lidando com canibalismo e jantares temáticos baseados nesse ato. A propósito, uma estranha gordofobia em “Jantar Secreto”.

Queridinho do TikTok e recentemente envolvido em polêmicas após uma crítica contundente do influenciador Felipe Neto, “A Biblioteca da Meia-Noite” pertence àquele gênero de ficção que carrega um forte tom de autoajuda. O autor Matt Haig, que já havia se destacado por seus livros de autoajuda não ficcionais, decidiu mergulhar no universo da fantasia — com algumas pitadas de ficção científica em certos momentos. A história acompanha Nora Seed, uma mulher de 35 anos, talentosa em várias áreas, mas que se sente fracassada por não ter alcançado grandes conquistas, segundo sua própria perspectiva. Solteira e com uma relação familiar conturbada, Nora enfrenta um dia particularmente difícil: perde o emprego e, tragicamente, seu gato morre atropelado. Afundada na depressão, ela decide encerrar sua vida. No entanto, ao invés do fim, Nora desperta na Biblioteca da Meia-Noite — um espaço mágico administrado por alguém do seu passado, onde cada livro representa uma vida alternativa baseada em escolhas diferentes.

À morte, a mãe de Samuel lhe faz um último pedido: que ele vá atrás da avó e do pai que nunca conheceu. Ele honra a promessa e parte a pé de Juazeiro do Norte rumo à pequena e quase esquecida cidade de Candeia, enfrentando o calor abrasador do sertão cearense. Ao chegar, encontra refúgio em um lugar insólito: a cabeça oca e gigante de uma estátua inacabada de Santo Antônio, separada do restante do corpo. É ali que começam a surgir acontecimentos ainda mais inusitados — dentro da cabeça do santo, Samuel passa a ouvir um turbilhão de vozes femininas. Logo percebe, atônito, que são orações de mulheres falando sobre amor. Seu primeiro contato em Candeia é com Francisco, um jovem com quem logo cria laços de amizade. Juntos, decidem explorar comercialmente a habilidade de Samuel, promovendo casamentos e outras artimanhas sentimentais. A cidade, antes mergulhada no abandono, aos poucos ressurge, atraindo fiéis de todos os cantos, fascinados pelo dom inexplicável do rapaz. Em meio ao fervor crescente, Samuel ainda se vê encantado por uma voz enigmática, que se sobressai entre tantas outras que ressoam na cabeça da estátua. Acioli tenta discorrer sobre a fé e o misticismo do sertanejo, mas tropeça em clichês que invalidam qualquer reflexão mais profunda.

Concebido como literatura infantil, “O Senhor dos Anéis” divide opiniões mesmo entre críticos respeitados, entre os quais W.H. Auden (1907-1973), que o defende. Avaliar um livro tão fora dos padrões exige tempo, mas qualquer um reconhece a imensa capacidade narrativa de Tolkien. Quando despontou no cenário cultural do século 20, pretendia fomentar uma análise crítica acerca da eterna oposição entre o bem e o mal, e nunca deiou de assombrar-se com o estrondoso sucesso de seus livros. O fato do autor ter abraçado um tema assumidamente hermético, com elfos, hobbits e anéis mágicos por alegoria, foi um empecilho que Tolkien venceu aos poucos; contudo, sua pena é mesmo para iniciados, distância que o cinema abrevia lançando mão de efeitos especiais que divertem. E só.

Summit Lake é uma cidade pitoresca, cercada por montanhas e casas encantadoras às margens de um lago sereno. Mas há duas semanas, a tranquilidade do lugar foi abalada pelo assassinato brutal de Becca Eckersley, uma promissora estudante de direito e filha de um influente advogado. A notícia chama a atenção da jornalista Kelsey Castle, que viaja até a cidade para investigar o crime. Conforme mergulha na vida de Becca — suas amizades, namoricos e segredos —, Kelsey sente uma conexão profunda com a jovem assassinada. Logo, percebe que descobrir a verdade sobre Becca pode ser o caminho para encarar os próprios traumas. Uma escrita fraca, personagens rasos e reviravoltas forçadas colocam a perder a vontade de Donlea quanto a discutir um assunto tão grave a exemplo da misoginia. Quem faz questão de ser tratado como adulto passe longe.

Em uma escola no interior da Irlanda, Connell e Marianne agem como se fossem estranhos. Ele é popular, destaque do time de futebol; ela, reservada e solitária. No entanto, um elo inesperado surge quando Connell vai buscar sua mãe, que trabalha como empregada na casa dos pais de Marianne. A partir daí, nasce uma ligação intensa entre os dois — embora um deles insista em manter tudo em segredo. Um ano depois, já na universidade em Dublin, os papéis parecem se inverter: Marianne se adapta com facilidade ao novo ambiente, enquanto Connell se sente deslocado e inseguro. Durante os anos da faculdade, seus caminhos continuam se cruzando e se afastando, como linhas que não conseguem seguir paralelas. Conforme Marianne mergulha em um ciclo autodestrutivo e Connell questiona suas próprias escolhas, ambos precisam decidir até onde estão dispostos a ir para se resgatar mutuamente. Uma história de amor entre duas pessoas que tentam se afastar, mas descobrem que talvez isso não esteja nos planos do destino.