Vamos encarar os fatos: abandonar um livro é uma arte tão silenciosa quanto um peido no elevador. A gente finge que nada aconteceu, mantém a coluna ereta e continua falando sobre a “força da escrita” com aquela cara de quem chegou ao epílogo com lágrimas nos olhos, e não parou em 23% no Kindle. Todo mundo tem aquele título que jurou amar, só não teve tempo ainda de terminar, há quatro anos. Não importa se foi por cansaço, confusão, narração experimental ou pura e simples distração (a geladeira piscou, né?), o importante é manter a pose. Porque admitir que largou um romance premiado é quase tão embaraçoso quanto confessar que dormiu no meio do discurso de posse da ABL.
E sejamos justos: muitos desses livros são bons, às vezes até bons demais. Eles exigem de nós uma dedicação quase religiosa, um espírito contemplativo, uma disposição para atravessar as 300 páginas como quem atravessa o sertão: com fé, sede e areia nos olhos. Às vezes, o problema não é a história, mas o excesso de ambição estética, o experimentalismo esticado até a última vírgula, ou aquela estrutura que te faz se perguntar se o problema é com o livro ou com seu QI. Ninguém quer parecer burro. Então a gente culpa “o momento”, “a agenda corrida” ou “a pilha de leituras obrigatórias”. E seguimos repetindo que vamos retomar a leitura assim que der. Mentira. Nunca vai dar.
Esta lista é um tributo a essas obras intensas, complexas, cansativas, brilhantes e, em alguns casos, impenetráveis como as instruções de uma cafeteira em coreano. São livros que dividiram leitores, desafiaram críticos e venceram prêmios, mas que muita gente largou na metade sem jamais ousar admitir. Aqui, fazemos o serviço sujo: colocamos luz sobre esses abandonos secretos. Não para humilhar ninguém, mas para provar que até o leitor mais exigente tem seu calcanhar de Aquiles literário. A diferença é que agora ele está listado, com capa, autor e ano. E você pode finalmente respirar aliviado: não foi só você. As sinopses foram adaptadas a partir das originais fornecidas pelas editoras.

Em uma narrativa sem nome, uma mulher percorre a vida entre os 8 e os 52 anos, marcada por perdas, traumas e renúncias. Desde a infância, enfrenta a imprevisibilidade da morte, que a ensina sobre a falta de controle diante da vida. A autora constrói uma história de dor e resistência, onde cada capítulo revela a luta da protagonista para encontrar sentido e identidade em meio ao sofrimento. A obra é uma reflexão profunda sobre a solidão, a memória e a busca por pertencimento. Aline Bei utiliza uma linguagem poética e intimista para dar voz a uma mulher que, sem nome, representa todas as mulheres que enfrentam desafios invisíveis. A narrativa é uma jornada emocional que toca o leitor pela sinceridade e pela força da protagonista. O livro é uma homenagem à resiliência feminina e à capacidade de reinvenção diante das adversidades. Uma obra que, apesar de sua dor, transmite uma mensagem de esperança e superação.

Federico e Lourenço são irmãos com tons de pele diferentes, vivendo em um Brasil marcado pela discriminação racial.Federico, de pele clara, é cientista social e ativista antirracista; Lourenço, de pele escura, naturaliza o racismo e tenta minimizar o preconceito sofrido. O romance alterna entre o presente, onde Federico participa de uma comissão ministerial em Brasília sobre cotas raciais, e o passado, durante a adolescência dos irmãos em Porto Alegre. A obra aborda questões como raça, privilégio e culpa, oferecendo uma reflexão profunda sobre as relações raciais no Brasil. A narrativa é construída de forma exímia, com personagens complexos e uma trama envolvente. Através dos olhos de Federico, o leitor é convidado a refletir sobre sua própria posição em relação às questões raciais. O livro foi amplamente elogiado pela crítica e recebeu diversos prêmios, incluindo o Prêmio Jabuti 2023. Uma obra essencial para compreender as nuances do racismo estrutural e suas implicações na sociedade brasileira.

Pedro reconstrói a vida de seu pai, Henrique, assassinado em uma abordagem policial, e a história de sua família marcada pelo racismo e violência policial. A narrativa alterna entre a primeira e a segunda pessoa do singular, oferecendo uma perspectiva íntima e pessoal dos acontecimentos. A obra aborda temas como discriminação racial, violência policial e a luta pela identidade. Cada capítulo é uma reflexão sobre a pele, o corpo e a sociedade que marginaliza o negro. Através de uma escrita sensível e poética, Tenório expõe as feridas abertas pela opressão e a resistência diante da adversidade. A obra foi reconhecida com o Prêmio Jabuti de 2021 e finalista do Prêmio Oceanos de 2021. Uma leitura necessária para compreender as estruturas de poder e a luta por justiça no Brasil.

A obra narra a história de duas crianças indígenas raptadas por exploradores alemães no século 19, oferecendo uma perspectiva decolonial sobre um episódio histórico pouco conhecido. A narrativa é dividida em três partes, intercalando a história das crianças com textos jornalísticos e crônicas de antigos exploradores. A autora utiliza uma linguagem lírica e poética para dar voz às vítimas de um sistema colonial opressor. Através da história de Iñe-e e Juri, Verunschk questiona as narrativas hegemônicas e propõe uma reflexão sobre identidade, memória e resistência. A obra foi selecionada para o Books at Berlinale, evidenciando seu potencial para adaptação cinematográfica. Uma leitura que desafia o leitor a repensar a história oficial e a reconhecer as vozes silenciadas.

A autora apresenta uma série de contos que retratam a vida em Copacabana, oferecendo uma visão única e multifacetada do bairro carioca. Entre a prosa e a poesia, a narrativa transita pelo banal e o extraordinário, pelo cômico e o trágico. Cada conto é uma fotografia instantânea da vida cotidiana, capturando momentos de beleza e melancolia. A autora utiliza uma linguagem vibrante e sensorial para pintar um retrato apaixonante de uma cidade que é ao mesmo tempo idílica e caótica.A obra é uma celebração da diversidade e da complexidade humana, revelando as histórias que se escondem nas esquinas e nas vitrines de Copacabana. Uma leitura que transporta o leitor para o coração pulsante do Rio de Janeiro, onde o ordinário se mistura ao extraordinário.

Téo, um estudante de medicina solitário, cuida de sua mãe paraplégica e estuda anatomia. Durante uma festa, conhece Clarice, uma jovem de espírito livre que sonha tornar-se roteirista de cinema. Ela está escrevendo um road movie sobre três amigas que viajam em busca de novas experiências. Obcecado por Clarice, Téo começa uma aproximação doentia que o leva a tomar uma atitude extrema. A narrativa é sombria e claustrofóbica, explorando os limites da obsessão e da loucura. A obra é um thriller psicológico que prende o leitor do início ao fim, com reviravoltas inesperadas e personagens complexos. A adaptação cinematográfica da obra está prevista para estrear no Globoplay em 2025. Uma leitura angustiante que desafia o leitor a refletir sobre os limites da moralidade e da razão.

Desde a infância, Alina convive com visões de sombras e vultos — fenômenos que aprendeu a descartar como resíduos do sono, distorções da mente. Agora doutoranda em história das religiões e especialista em tradições ocultistas, ela deposita na racionalidade o antídoto para o inexplicável. Mas tudo começa a ruir quando recebe um telefonema inesperado da delegacia: a polícia investiga uma possível seita ligada a uma série de surtos psicóticos em São Paulo. A única evidência concreta é um símbolo geométrico enigmático rabiscado por uma das vítimas. Movida pela curiosidade e pelo desejo de escapar da monotonia cuidadosamente cultivada, Alina se envolve numa investigação pessoal que desestabiliza suas certezas e a leva a confrontar as fronteiras entre fé e razão, ciência e misticismo. Em “As perguntas”, Antonio Xerxenesky mergulha o leitor em uma narrativa que entrelaça o horror silencioso do cotidiano com os abismos do oculto. Com forte inspiração no cinema, na música e nas doutrinas esotéricas, o autor constrói um romance inquietante, em que a busca por respostas pode ser mais perturbadora do que o próprio mistério.

Vencedor do Prêmio Machado de Assis da Fundação Biblioteca Nacional, Descobri que Estava Morto parte de um episódio real e absurdo: em 2011, o escritor J. P. Cuenca foi oficialmente declarado morto. Um corpo encontrado em um prédio abandonado na Lapa, no Rio de Janeiro, portava sua certidão de nascimento. A partir desse fato insólito, Cuenca mergulha em uma investigação que transita entre o romance policial, o diário íntimo e a autoficção, explorando os limites entre a identidade civil e a subjetividade do autor. O livro percorre ruas degradadas, arquivos públicos, becos do sistema judiciário e fissuras da existência urbana, revelando uma cidade onde o abandono e a violência apagam rastros e misturam vivos e mortos. Ao buscar quem usurpou sua identidade, Cuenca se vê confrontado com uma questão maior: o que significa ser alguém — ou deixar de ser — em um país onde o esquecimento é regra.

Em plena Londres do século 18, um agente luso-brasileiro se infiltra na alta sociedade para investigar uma conspiração que mistura pornografia, política e segredos de Estado, tudo isso entre bailes de máscaras, tavernas suspeitas e clubes exclusivamente masculinos. Com charme calculado e uma pistola sob o paletó, ele percorre os subterrâneos da cultura gay georgiana, revelando um mundo vibrante, secreto e perigosamente sensual. A missão o coloca em rota de colisão com o conde de Bolsonaro, nobre de intenções obscuras e nome que não passa despercebido. Misturando sátira histórica, erotismo elegante e intriga de espionagem, o romance dialoga com os moldes clássicos do gênero de aventura, mas subverte suas convenções com inteligência e irreverência. A prosa é engenhosa e meticulosa, com vocabulário à altura do período retratado, e uma ironia finamente calibrada que transforma o passado em espelho provocador do presente.

Após um acidente, um garoto entra em coma e desperta sem saber quem é, vivendo o que é conhecido como O Ano do Grande Branco. Durante esse período, ele questiona sua identidade e a realidade ao seu redor. A narrativa é labiríntica e incomum, misturando elementos de espionagem, guerrilha e fantasia. A obra percorre a história recente do Brasil, inserindo a realidade nacional em um caleidoscópio de memórias e imaginação. A escrita de Terron é poética e fragmentada, refletindo a confusão e a busca por sentido do protagonista. A obra é uma reflexão sobre a identidade, a memória e a construção da realidade em um país marcado por traumas históricos.