Não leve a vida tão a sério! Comédia na Netflix vai te ensinar a viver com humor e leveza

Não leve a vida tão a sério! Comédia na Netflix vai te ensinar a viver com humor e leveza

Não há terreno mais fértil para a comédia do que o fracasso humano, sobretudo quando este é encenado com desdém pelas ilusões românticas que a cultura insiste em vender como destino. “Antes Só do que Mal Casado”, dos irmãos Farrelly, transforma esse fracasso em arte escancarada, zombando da ideia de que o amor — ao menos como costuma ser narrado nas telas — é redentor. Em vez disso, o longa mergulha no lodo emocional da inadequação afetiva, expondo a miséria dos vínculos formados por convenções, carências e impulsos tão frívolos quanto desesperados. Longe de buscar redenção, a trama prefere o desmonte completo da promessa amorosa. Trata-se menos de uma comédia romântica e mais de uma sátira sobre o que acontece quando duas pessoas se agarram uma à outra por medo do vazio — e descobrem que o vazio pode ser mais tolerável do que a convivência.

Ben Stiller interpreta Eddie, um quarentão atolado na ansiedade de se encaixar nos modelos de sucesso afetivo impostos por amigos fracassados e familiares desajustados. A decisão apressada de se casar com Lila (Malin Akerman), após um namoro relâmpago, não parece vir de qualquer sentimento genuíno, mas de uma tentativa patética de corresponder às expectativas de uma vida adulta minimamente funcional. O que se segue, no entanto, é uma desconstrução cirúrgica desse simulacro de estabilidade: a lua de mel torna-se uma trincheira emocional, onde cada gesto revela o quanto os dois são incompatíveis — não por diferenças ideológicas ou morais profundas, mas porque jamais deveriam ter dividido a mesma mesa de jantar, quanto mais uma cama.

Akerman oferece à personagem uma intensidade desconcertante. Lila é ensurdecedora em sua presença, sufocante em seu afeto e desarmada em sua fragilidade. Se Eddie é um covarde sentimental, ela é a representação viva do exagero emocional, da mulher moldada por estereótipos e abandonada à própria sorte dentro de um roteiro que jamais teve interesse em desenvolvê-la além da caricatura. É aí que entra Miranda (Michelle Monaghan), a mulher idealizada que aparece como um bote salva-vidas moral para Eddie — ainda que este esteja naufragando por conta própria. O envolvimento com Miranda, surgido ainda durante a lua de mel com Lila, revela a natureza instável e moralmente ambígua do protagonista: um homem que foge de seus erros correndo em direção a novos equívocos, sempre vestido com a fantasia do “coitado incompreendido”.

O humor do filme não é apenas incômodo — ele é um projeto de desestabilização. Os Farrelly não poupam o espectador da vergonha alheia, dos detalhes grotescos, das situações que provocam tanto o riso quanto o desejo de desviar o olhar. Mas, diferentemente de outras comédias grosseiras que se sustentam apenas na irreverência, aqui há um experimento mais ambicioso: testar os limites da empatia do público diante de personagens egoístas, imaturos e moralmente dúbios. A pergunta não é se vamos rir, mas por quanto tempo conseguiremos rir antes que o incômodo nos vença.

Essa provocação, no entanto, cobra seu preço. A tentativa dos irmãos Farrelly de atualizar a fórmula do humor desajustado que os consagrou em títulos como “Debi & Lóide” ou “Quem Vai Ficar com Mary?” resulta, por vezes, em uma repetição exausta de seus próprios vícios. A ausência de qualquer vestígio de ternura — mesmo a ternura tosca que antes permeava seus filmes — deixa o espectador à deriva em um oceano de constrangimento cínico. Quando tudo é exagero, nada mais espanta; e quando nada espanta, o riso perde o efeito.

Ben Stiller, por sua vez, revisita o arquétipo do homem comum em crise, mas o faz sem a ingenuidade que outrora redimia seus personagens. Eddie é, antes de tudo, um espelho desconfortável da masculinidade insegura e narcisista, que se esconde atrás de desculpas emocionais para justificar sua incapacidade de assumir consequências. Sua trajetória não é de aprendizado, mas de evasão: de uma mulher para outra, de um problema para o próximo, de uma máscara para outra.

Se há um ponto em que o filme se destaca, é justamente na recusa em oferecer conforto narrativo. Não há redenção romântica, não há lição de moral, não há grandes epifanias. O que há é uma sucessão de escolhas desastradas, conduzidas por personagens que não evoluem — e talvez esse seja o ponto mais honesto de toda a história. Em um universo onde tantas narrativas se esforçam para dizer que tudo dá certo no fim, Antes Só do que Mal Casado é a raridade que insiste em lembrar: às vezes, não dá. E o mais perturbador é perceber que, nesses casos, o fracasso é inteiramente merecido.

No lugar de uma conclusão edificante, o filme nos obriga a encarar uma verdade desconfortável: a de que muitas relações são ruínas anunciadas, pactos selados pela pressa e sustentados pela ilusão. E que rir disso pode até ser libertador — mas só até certo ponto. Depois, resta o silêncio, e a pergunta que ninguém quer fazer: quantos de nós estamos vivendo versões menos escandalosas, mas igualmente trágicas, dessa história?

Filme: Antes Só do Que Mal Casado
Diretor: Bobby Farrelly e Peter Farrelly
Ano: 2007
Gênero: Comédia/Romance
Avaliação: 7/10 1 1
★★★★★★★★★★