Considerada a maior obra-prima em 130 anos de história do cinema, filme irretocável está na Netflix Divulgação / Paramount Pictures

Considerada a maior obra-prima em 130 anos de história do cinema, filme irretocável está na Netflix

Francis Ford Coppola, em “O Poderoso Chefão”, dá início a uma saga que transcende o cinema, reinterpretando o enraizamento da máfia siciliana nos Estados Unidos com uma precisão quase cirúrgica. Amparado por Mario Puzo, autor do romance que inspirou o filme, Coppola constrói uma narrativa densa, mas incrivelmente fluida, que combina denúncia e beleza sombria. O filme, com suas quase três horas de duração, apresenta-se como um estudo sociológico camuflado de drama criminal, expondo a perversão do conceito de família e os reflexos dessa distorção no estilo de vida americano. Essa complexa tapeçaria se estende ainda pelos outros três longas que, juntos, cobrem meio século de intrigas e ambições, consolidando a obra como uma joia atemporal da cultura pop.

Logo no início, um homem desesperado busca ajuda com Vito Corleone, depois que sua filha foi brutalmente violentada e os culpados escaparam impunes pela justiça. A cena é um microcosmo do poder e da influência do patriarca interpretado por Marlon Brando, cuja presença, embora intermitente, é monumental. Don Corleone, imponente e calculista, domina os bastidores da trama enquanto, gradualmente, a atenção migra para Michael, o terceiro filho, vivido por Al Pacino. A transição de poder ocorre de forma orgânica, mas impactante, à medida que Michael, inicialmente relutante, emerge como o novo líder da família.

Michael, um veterano de guerra que busca distanciar-se dos negócios da família, é inevitavelmente puxado para o epicentro do poder. Sua jornada, marcada por decisões brutais e pela renúncia de sua própria humanidade, ganha nuances ainda mais complexas com sua vida pessoal. Em fuga para a Itália após um atentado, ele encontra refúgio e um breve momento de paz ao lado de Apollonia, interpretada por Simonetta Stefanelli. Contudo, o retorno aos Estados Unidos sela seu destino ao reatar com Kay, papel de Diane Keaton, cuja atuação contrasta deliberadamente a frieza da máfia com a vulnerabilidade de uma mulher presa em um mundo que não compreende.

Coppola orquestra a narrativa com maestria, culminando em um dos momentos mais icônicos da história do cinema: o massacre durante a cerimônia de batismo. Essa sequência, carregada de simbolismo, não apenas confirma Michael como o novo Don, mas também evidencia o quanto ele se distanciou de qualquer moralidade convencional. A frieza com que ele elimina seus inimigos, enquanto renuncia simbolicamente ao mal diante de Deus, revela a dualidade que sustenta o filme: a lealdade à família versus a corrupção moral absoluta.

Por trás das câmeras, Coppola exibe um perfeccionismo implacável. Sua visão detalhista transforma cada cena em uma peça essencial para o mosaico narrativo, enquanto o roteiro de Puzo injeta uma profundidade que transcende o gênero de máfia. “O Poderoso Chefão”  não é apenas uma história de crime; é um tratado sobre poder, identidade e os limites da ambição. Situada nos subúrbios de Nova York pós-Segunda Guerra Mundial, a narrativa captura a complexa relação entre política, cultura e criminalidade, mostrando como a máfia italiana infiltrou-se nos bastidores do poder, das celebridades ao alto escalão político.

Ao encerrar o primeiro capítulo dessa tetralogia, Coppola não apenas redefine o cinema, mas também redefine como histórias sobre moralidade, violência e lealdade podem ser contadas. A obra é um testemunho atemporal de que, mesmo no caos, há uma beleza trágica, e que o poder, em todas as suas formas, sempre cobra um preço. 

Filme: O Poderoso Chefão
Diretor: Francis Ford Coppola
Ano: 1972
Gênero: Crime/Drama
Avaliação: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★