Marcos Carnevale apresenta um olhar sensível e preciso sobre as complexidades da neurodiversidade. Em “Anita” (2009), explora a jornada de uma jovem com síndrome de Down em busca de autonomia, enquanto em “Goyo” retoma esse tema, agora com um protagonista singular: um homem de aparência impecável e refinamento, cujas habilidades intelectuais e culturais poderiam levá-lo ao ápice do sucesso, caso não enfrentasse os desafios impostos pela Síndrome de Asperger. Esse transtorno, parte do espectro autista, compromete significativamente suas interações sociais e emocionais.
Carnevale constrói sua narrativa com nuances delicadas e profundas, ressaltando que Gregório, um guia de museu com amplo domínio sobre as peças que descreve, mas perdido diante de sentimentos como o amor por uma colega, é mais do que um produto das influências externas. Entre a superproteção da irmã Saula, vivida por Soledad Villamil, e a rejeição materna que o persegue, o protagonista trilha um caminho complexo e carregado de escolhas. A trama revela um enigma central: como Goyo pode conquistar a felicidade não por sorte ou destino, mas por um esforço genuíno para compreender e superar suas limitações emocionais.
A influência do ambiente na produção artística é um tema que permeia a história humana, onde escritores, cineastas e pintores foram moldados por adversidades como perdas inesperadas, rupturas familiares ou crises existenciais. Ernest Hemingway, em seu refúgio em Cuba, deixou-se consumir por uma rotina de contemplação e conversa até ser desafiado por seu editor a criar “O Velho e o Mar”. De forma semelhante, Vincent Van Gogh traduziu suas angústias em obras imortais. Goyo, vivido intensamente por Nicolás Furtado, assume esse papel contemporâneo, encontrando na pintura uma válvula para afirmar sua identidade em um mundo que lhe exige explicações constantes.
O talento artístico de Gregório vai além de suas paixões românticas, como o relacionamento com Eva Montero, interpretada por Nancy Dupláa, uma mulher madura que chega ao museu para mudar sua rotina, e o vínculo complicado com Magdalena, sua mãe, cuja volta não traz reconciliação, mas um caos renovado. Carnevale sugere que o verdadeiro reconhecimento que falta a Goyo não é externo, mas interno: a aceitação de si mesmo como alguém que transforma dificuldades em expressão criativa. O filme, no entanto, hesita em destacar essa epifania com o vigor necessário, deixando em aberto uma reflexão sobre o preço de ser humano em meio a tantas camadas de complexidade.
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