A Polônia, conhecida por sua sólida tradição católica, tornou-se um epicentro espiritual em 16 de outubro de 1978, com a eleição de Karol Wojtyła como o primeiro papa polonês, João Paulo II. Durante mais de 26 anos de pontificado, ele encarnou uma mistura singular de firmeza e diplomacia que influenciou profundamente uma geração de líderes espirituais. Entre esses líderes estava Jan Adam Kaczkowski, conhecido carinhosamente como “Padre Johnny”. Sua vida, marcada por uma dedicação intensa à bioética e ao cuidado pastoral, tornou-se o centro do filme de Daniel Jaroszek.
Com um olhar que evita a armadilha da hagiografia, Jaroszek molda “Padre Johnny” como um retrato ético e nuançado de um sacerdote que viveu entre o academicismo e a prática pastoral. Doutor em teologia e especialista em bioética, Kaczkowski dedicou seus últimos anos à construção de uma clínica para pacientes terminais, até ser vencido por um glioblastoma aos 39 anos. Essa dualidade entre intelecto e ação se reflete em um filme que opta por mostrar, sem pudor, os desafios terrenos de um homem dedicado ao divino.
O roteiro de Maciej Kraszewski começa com uma provocativa justaposição: jovens consumindo cocaína em uma festa, seguidos por fiéis em uma missa e, em seguida, uma violenta briga de gangues. Essa abertura quebra expectativas e estabelece o tom de um filme que explora a dicotomia entre pecado e redenção. Jaroszek utiliza essa contradição para apresentar seus protagonistas: Jan Kaczkowski, interpretado com profundidade por Dawid Ogrodnik, e Patryk Galewski, um delinquente vivido de forma visceral por Piotr Trojan.
O confronto moral entre Jan e Patryk impulsiona a narrativa. A atuação de Ogrodnik equilibra carisma e serenidade, enquanto Trojan mergulha nas camadas de um anti-herói em busca de redenção. Essa relação, inicialmente marcada por uma relutante convivência, evolui para uma amizade genuína, costurada com naturalidade pelo diretor. O envolvimento de Patryk na clínica filantrópica de Kaczkowski proporciona uma reviravolta tocante, que desafia a linha tão tênue entre o bem e o mal.
O antagonismo sutil do filme se manifesta na figura de Roman Zalewski, o arcebispo interpretado por Joachim Lamza. Sua presença representa a face institucional e, por vezes, egoísta da Igreja. Essa oposição entre a hierarquia religiosa e o compromisso comunitário de Padre Johnny adiciona camadas de complexidade, evitando abordagens maniqueístas.
Conforme a história avança, o foco em Patryk cresce a ponto de obscurecer a figura de Kaczkowski. Essa escolha narrativa pode ser vista como um reflexo da humanidade — mais inclinada a se identificar com o pecador redimido do que com o virtuoso inabalável. Jaroszek não apresenta Kaczkowski como um santo, mas como um homem cuja fé inspirou transformações concretas na vida daqueles ao seu redor.
“Padre Johnny” é uma obra que evita os clichês religiosos e entrega uma narrativa visceral e profundamente humana. Ao equilibrar realismo cru e uma mensagem de esperança, o filme celebra a possibilidade de redenção em um mundo marcado por falhas e contradições. Jaroszek, com sua direção minuciosa, não apenas homenageia Kaczkowski, mas também desafia o público a refletir sobre sua própria jornada de fé e redenção.
★★★★★★★★★★