Há 11 dias no Top 10 da Netflix em 75 países: mais de 7 milhões de assinantes estão viciados e não conseguem parar de ver Divulgação / Netflix

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A cinebiografia “Senna”, dirigida por Vicente Amorim, tenta captar a essência de Ayrton Senna, um dos maiores ícones do esporte brasileiro e mundial. Contudo, ao se colocar lado a lado com o aclamado documentário de Asif Kapadia, lançado em 2010, a série carece de profundidade, mesmo com sua estrutura narrativa distinta. Enquanto Kapadia conseguiu explorar, em menos de duas horas, nuances complexas da vida e da carreira do piloto, a série tropeça em temas fundamentais, oferecendo uma abordagem que se revela dispersa e por vezes superficial.

Embora “Senna” não seja um fracasso absoluto, apresenta falhas significativas. Um dos problemas mais evidentes é a maneira como certos aspectos pessoais e políticos da vida do piloto são negligenciados. O enredo concede atenção desproporcional às polêmicas envolvendo Adriane Galisteu, ex-namorada de Senna, e as rixas familiares, ofuscando momentos cruciais de sua trajetória. A performance de Gabriel Leone merece elogios: ainda que sua aparência não seja idêntica à do piloto, ele captura com habilidade os trejeitos de Senna, como o sorriso sutil e as sobrancelhas franzidas diante de desafios, além de recriar com autenticidade as provocações dirigidas ao rival Alain Prost. Apesar disso, o elenco e a produção não conseguem contornar os problemas estruturais do roteiro.

O maior deslize da série é a omissão de um retrato mais robusto da relevância histórica de Ayrton Senna no contexto social e político brasileiro. Durante os anos 1980 e 1990, o Brasil vivia uma transição democrática pós-Ditadura Militar, enfrentando crises econômicas devastadoras e uma pobreza alarmante. A autoestima da população estava em frangalhos, e a imagem do país no exterior não era das melhores. Nesse cenário, Senna se destacou como um herói nacional, elevando o orgulho brasileiro ao exibir a bandeira do país em cada vitória. Sua presença transcendia o esporte: ele simbolizava esperança, superação e dignidade para milhões. Contudo, a série praticamente ignora essa dimensão, falhando em contextualizar a magnitude de sua influência.

Outra lacuna importante é a superficialidade com que se aborda o preconceito enfrentado por pilotos sul-americanos no cenário europeu da Fórmula 1. A figura de Jean-Marie Balestre, então presidente da FIA, é apresentada como um simples antagonista, sem maior complexidade. Na época, pilotos brasileiros eram frequentemente vistos como indisciplinados e emotivos, enfrentando estigmas vindos do establishment europeu. Senna, com seu talento e determinação, desafiou essas percepções, conquistando respeito até mesmo de seus maiores rivais, como Alain Prost. A produção perde a oportunidade de explorar esse aspecto e destacar como Senna abriu caminho para uma nova geração de pilotos sul-americanos.

Também pouco explorado é o relacionamento de Senna com Lílian de Vasconcelos, sua ex-esposa. Embora breve, o casamento desempenhou um papel significativo em sua vida pessoal e na construção de sua identidade durante o início da carreira. Ao tratar esse capítulo de forma quase negligente, a série perde a chance de adicionar profundidade emocional à narrativa.

Um elemento interessante é a inclusão de Laura Harrison, interpretada por Kaya Scodelario, uma personagem fictícia criada para ilustrar a relação paradoxal de Senna com a imprensa. A figura do piloto foi, ao longo de sua carreira, alvo de adulações e críticas ferozes. Apesar de ser uma tentativa promissora de humanizar o protagonista, a personagem não é suficientemente explorada, resultando em uma abordagem rasa e pouco impactante.

Por outro lado, a série acerta em aspectos técnicos. A fotografia e o CGI se destacam, alcançando um nível visual comparável ao de produções internacionais de orçamento muito maior. Locações na América do Sul, como Chile e Argentina, foram habilmente transformadas em cenários que recriam circuitos europeus icônicos da Fórmula 1, conferindo um toque de realismo à produção.

Apesar de suas limitações, “Senna” serve como uma introdução ao legado de Ayrton Senna para uma nova geração. A produção não alcança a grandiosidade esperada, mas ainda assim reitera a importância de Senna como um ícone do automobilismo e um símbolo de um Brasil que buscava se reerguer diante do mundo. Mesmo com seus tropeços, a série consegue despertar reflexões sobre a vida e o impacto de um dos maiores pilotos da história.

Filme: Senna
Diretor: Vicente Amorim
Ano: 2024
Gênero: Aventura/Biografia/Drama
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★