Você nunca vai se emocionar tanto: a belíssima história de heroísmo e resistência durante a Segunda Guerra, na Netflix Divulgação / Pantaleon Films

Você nunca vai se emocionar tanto: a belíssima história de heroísmo e resistência durante a Segunda Guerra, na Netflix

O mundo seria um lugar inóspito e árido sem a arte, essa força capaz de iluminar os recantos mais sombrios da existência humana. Em meio à brutalidade que moldou tantas eras da história, a criação artística sempre encontrou maneiras de se insurgir contra a barbárie, oferecendo um alívio que transcende a mera contemplação. Roger Scruton (1944-2020), filósofo e crítico britânico, reconhecia que a evolução industrial e tecnológica trouxe avanços indispensáveis, mas também custou caro em termos de beleza e ingenuidade.

O progresso técnico, embora vital para superar fome e miséria em momentos críticos como o pós-Segunda Guerra Mundial, deixou o mundo mais funcional, mas menos encantador. Scruton defendia que a arte, com sua profundidade estética e sua capacidade de transformar o feio em belo, torna-se essencial para equilibrar os danos do pragmatismo desenfreado.  

Essa perspectiva ressoa no legado de Marcel Marceau (1923-2007), cujas pantomimas ultrapassaram o limite do palco para se tornarem atos de resistência. Filho de uma família judaica na França ocupada pelos nazistas, Marceau não apenas salvou vidas, mas também desafiou o horror da guerra com a força de sua arte. Seu início modesto em cabarés de Estrasburgo contrastava com a brutalidade crescente de Adolf Hitler, cuja visão de um Reich milenar se alimentava do rancor pós-Primeira Guerra Mundial e da manipulação orquestrada por Joseph Goebbels. Enquanto Hitler armava o Ocidente, Marceau subvertia a opressão com gestos silenciosos e uma coragem que o colocaria entre os heróis anônimos do conflito.  

O filme “Resistência”, de Jonathan Jakubowicz, resgata essa trajetória com sensibilidade e vigor, imortalizando o papel de Marceau como artista e salvador. Jesse Eisenberg, no papel do mímico, explora com intensidade a dualidade de um jovem que equilibra o humor no palco com a seriedade de salvar vidas. Sua performance capta as nuances de um herói relutante, determinado a preservar a humanidade em tempos desumanos. A narrativa de Jakubowicz constrói um retrato denso, pontuado por encontros tensos, como o diálogo com Klaus Barbie, o “Açougueiro de Lyon”, vivido com crueldade calculada por Matthias Schweighöfer.  

A força de “Resistência” reside também na química entre Eisenberg e Karl Markovics, que interpreta Charles, o pai de Marceau. Pragmático e descrente das ambições artísticas do filho, Charles serve de contraponto às aspirações de um jovem que ousava sonhar em meio ao caos. O humor ácido que permeia os primeiros atos dá lugar a uma reflexão mais profunda sobre sacrifício e propósito, reforçando que a arte de Marceau foi mais que entretenimento — foi uma arma contra o totalitarismo.  

Jakubowicz constrói sua narrativa com uma delicadeza que espelha a habilidade de Marceau no palco, capturando a leveza de seus gestos e a gravidade de suas ações. A guerra é mostrada como uma sombra ao fundo, uma ameaça onipresente que dá urgência às escolhas do protagonista. A combinação entre roteiro e direção sublinha a mensagem central: a arte é uma forma de resistência, uma fagulha de luz que desafia a escuridão mais densa.  

Eisenberg, Markovics e Schweighöfer entregam atuações marcantes que ampliam o impacto dessa história esquecida, resgatando o vulto de um homem que se destacou tanto na ribalta quanto na clandestinidade. “Resistência” é um tributo não apenas a Marceau, mas à arte como um todo — essa força inextinguível que salva vidas, desafia regimes e mantém viva a centelha da humanidade.

Filme: Resistência
Diretor: Jonathan Jakubowicz
Ano: 2020
Gênero: Biografia/Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★