Último dia para ver na Netflix: o filme de Sofia Coppola que fez Cannes parar por 7 minutos Divulgação / American Zoetrope

Último dia para ver na Netflix: o filme de Sofia Coppola que fez Cannes parar por 7 minutos

Logo nos primeiros minutos de “O Estranho que Nós Amamos”, um turbilhão de sensações percorre o espectador, variando entre a inocência e a brutalidade. Não há como desvincular o impacto desse filme do olhar sensível e afiado de Sofia Coppola, diretora que, com profundo entendimento da alma humana, especialmente a feminina, conduz o projeto com maestria.

Coppola não hesita ao explorar uma narrativa repleta de riscos, centrada em John McBurney, cabo do Exército da União que, ferido na Guerra Civil Americana, foge de seu regimento. Sua adaptação de “The Beguiled”, obra de Thomas P. Cullinan, suaviza a crueza original sem perder de vista a degradação moral dos personagens, abordada também na versão de Don Siegel. Em meio ao caos da guerra, a jovem Amy encontra McBurney debilitado sob um salgueiro, e o leva para o internato feminino onde vive. A cena com Colin Farrell e Oona Laurence emociona, realçada pelo jogo de luz e sombra na fotografia de Philippe Le Sourd, que traduz um equilíbrio entre o sombrio e a insistência da vida em se manifestar.

A interpretação de Nicole Kidman como a tutora Martha Farnsworth evoca figuras enigmáticas de personagens como Grace de “Os Outros” e “Dogville”, ao mesmo tempo em que a presença de Kirsten Dunst traz uma luminosidade rara ao internato. Sua personagem, Edwina, hesita diante da presença ameaçadora e viril de McBurney, sendo forçada a competir pela atenção dele com Alicia, a jovem provocadora interpretada por Elle Fanning, causando tensão no ambiente antes marcado pelo silêncio feminino.

Coppola conduz a narrativa de modo a enfatizar a moral ambígua que permeia cada personagem, fazendo emergir uma atmosfera de tragédia romântica reminiscentes dos tons de Boccaccio ou Gregório de Matos, e com nuances do lirismo de “O Violinista que Veio do Mar”. A reviravolta final nos confronta com as contradições que repousam em cada espírito humano, e talvez seja inevitável sentir certo alívio na resolução engenhosa de Farnsworth para McBurney, uma escolha entre o sagrado e o profano da natureza humana.


Filme: O Estranho que Nós Amamos
Direção: Sofia Coppola
Ano: 2017
Gêneros: Drama/Suspense
Nota: 9/10