O amor, com suas nuances imprevisíveis, muitas vezes desafia qualquer tentativa de racionalização. Certas relações parecem exigir o rompimento de barreiras invisíveis, embora profundamente enraizadas, como se só ao superá-las fosse possível alcançar um estado de verdadeira harmonia. No caso desse filme, a narrativa se constrói sobre a impossibilidade de um relacionamento sem embates, e é justamente nesse terreno movediço que o diretor Domingo González mergulha em sua estreia no cinema.
Ao explorar os detalhes mais íntimos das interações entre seus personagens, ele acerta ao capturar a essência emocional que os conecta, mas acaba cometendo deslizes consideráveis quando tenta impor padrões de conduta. Essas falhas são ainda mais evidentes à medida que o enredo revela um conjunto de personagens cuja moralidade está longe de ser exemplar, o que fragiliza qualquer tentativa de passar uma mensagem mais profunda sobre comportamentos éticos.
Por outro lado, a protagonista Noah está em busca de algo mais profundo, mesmo sem ter plena consciência de qual é sua real procura. Enquanto ela tenta resolver os problemas práticos de sua vida, simbolizados pela grande mala roxa em que armazena suas memórias, percebe-se uma espécie de metáfora para sua tentativa de reorganizar seu mundo interno. As questões familiares, complicadas e não resolvidas, formam uma nuvem que paira sobre sua trajetória, especialmente quando sua mãe, Rafaella, entra em cena.
O roteiro, escrito por González e baseado na trilogia de Mercedes Ron, sugere segredos e tensões, que se tornam ainda mais palpáveis com a transição de Noah para o novo ambiente — um vasto e luxuoso palacete, onde sua mãe vive com o novo marido, William. Nesse local grandioso, Noah inicialmente resiste, mas aos poucos se rende ao esplendor e à opulência de sua nova morada. Ainda assim, suas expressões revelam um desconforto latente e uma inadequação que persiste, culminando em uma raiva contida que guia o desenrolar dos próximos acontecimentos. É nesse cenário que o diretor começa a construir os próximos passos da protagonista, que se vê obrigada a conviver com uma elite fútil e pretensiosa, enquanto enfrenta emoções profundas e conflitantes que emergem desse novo contexto.
A partir do segundo ato, o enredo se aprofunda na relação entre Noah e Nick, seu meio-irmão, interpretado por Gabriel Guevara, ao mesmo tempo em que dá espaço para tramas paralelas que tentam adicionar maior densidade à história. Entre elas, destaca-se o personagem Ronnie, vivido por Fran Berenguer, um líder de gangue que serve como uma espécie de peça exótica dentro da narrativa, agregando tensão e intriga.
Ainda assim, a participação de Guevara se torna central, e o filme, em última análise, revela-se como uma reinterpretação contemporânea de “As Ligações Perigosas”, o clássico romance epistolar de Choderlos de Laclos. Contudo, ao invés de trazer uma perspectiva inovadora sobre o conflito moral e emocional, a história acaba sendo uma releitura de temáticas já bastante conhecidas, com poucas inovações significativas. Embora o filme se apoie em um misto de luxúria, manipulação e desespero, elementos que funcionaram em histórias semelhantes, aqui eles são apresentados com um frescor limitado, resultando em um filme que, apesar de suas qualidades técnicas, fica aquém em termos de originalidade e profundidade.
Filme: Minha Culpa
Direção: Domingo González
Ano: 2023
Gêneros: Drama
Nota: 7/10