Épico da literatura adaptado para as telas triplicou o próprio orçamento, faturou 2 bilhões de reais e está na Netflix Divulgação / Universal Pictures

Épico da literatura adaptado para as telas triplicou o próprio orçamento, faturou 2 bilhões de reais e está na Netflix

Hollywood tem uma longa tradição de revisitar clássicos da literatura e da cultura popular, renovando histórias que se perpetuam ao longo das décadas. Em 1937, Walt Disney (1901-1966) liderou a criação de uma adaptação revolucionária de um dos contos mais célebres dos irmãos alemães Jacob (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859). Com o que havia de mais avançado em termos de tecnologia de animação, “Branca de Neve e os Sete Anões” conquistou um lugar permanente na imaginação popular, sendo lembrado por gerações tanto de espectadores quanto de leitores.

A personagem principal tem uma capacidade singular de inspirar, inicialmente acendendo a imaginação infantil ao redor do globo, enquanto a narrativa, rica em metáforas, traz ensinamentos que só podem ser verdadeiramente compreendidos mais tarde na vida. O universo de Branca de Neve é surpreendentemente similar ao mundo atual, na terceira década do século 21: figuras autoritárias que destroem o reino que governam, beneficiadas pela confiança cega dos desavisados; subordinados que executam ordens imorais, quase exterminando os últimos resquícios de esperança; e, claro, a representação do bem, que, cercada por tanta maldade, encontra-se perdida numa floresta de desilusões.

Mais de setenta anos após o lançamento da versão mais consagrada dessa fábula infantil nos cinemas, Rupert Sanders entrega sua interpretação com “Branca de Neve e o Caçador” (2012). Seguindo os conselhos de Disney, Sanders explora ao máximo os recursos dos efeitos visuais, revitalizando o conto da princesa de pele branca, lábios vermelhos como sangue e cabelos negros como penas de corvo. Sua abordagem moderna adiciona drama, realismo e uma dose de acidez, reafirmando que o mito da princesa não perdeu a relevância.

Um dos méritos do trabalho de Sanders é sua capacidade de lidar com ícones da cultura popular sem sentir a necessidade de tratá-los com uma reverência exagerada. Ainda assim, ele consegue manter conexões com as adaptações anteriores, sem reinventar a história por completo. A princesa ainda preserva a bondade, estendendo até mesmo à madrasta um sentimento de piedade, enquanto mantém sua pureza ao longo do filme, apesar da presença de dois pretendentes.

A interpretação de Kristen Stewart como Branca de Neve carrega consigo a marca de sua personagem anterior, Bella Swan, cuja personalidade introvertida foi útil para dar vida à heroína romântica, evocando os folhetins de Alexandre Dumas, Pai (1802-1870), mesmo que o cenário seja medieval. Nesta versão, Branca de Neve passa anos aprisionada sob ordens da madrasta, a segunda esposa de seu pai, que morreu envenenado por um punhal traiçoeiro. Charlize Theron, com seu carisma e beleza inegáveis, compõe uma rainha Ravenna que, apesar de não atingir todo o seu potencial, mantém o interesse do público.

O trabalho de efeitos visuais, coordenado por Vince Abbott, reforça o motivo por que Ravenna aprisiona jovens donzelas ao longo de sua vida marcada pela perversidade. É através da ajuda de um pássaro que Branca de Neve finalmente vislumbra uma rota de fuga, exatamente quando está prestes a ser molestada por Finn, irmão de Ravenna, interpretado por Sam Spruell. No entanto, o roteiro de Evan Daugherty, Hossein Amini e John Lee Hancock não explora ao máximo o potencial dramático da cena, perdendo a chance de aprofundar a tensão.

Ao longo de uma jornada repleta de desafios, em que os roteiristas lançam mão de uma abordagem um tanto sombria e quase apocalíptica, a protagonista chega à Floresta Negra, onde será perseguida pelo caçador interpretado por Chris Hemsworth. A relação amorosa entre Branca de Neve e seus pretendentes, tanto o caçador quanto o príncipe William, vivido por Sam Claffin, não chega a se concretizar de forma dramática, o que gerou rumores sobre um possível ciúme de Sanders, que, na época, era namorado de Stewart. Independentemente das especulações, “Branca de Neve e o Caçador” acerta ao dar ênfase ao espírito de aventura, trazendo uma renovação inesperada ao enredo. Se continuar nessa linha, outras princesas terão que se preparar para novos desafios no futuro.


Filme: Branca de Neve e O Caçador
Direção: Rupert Sanders
Ano: 2012
Gêneros: Fantasia/Aventura/Coming-of-age
Nota: 8/10