Há muitos romances introspectivos que tentam capturar filosoficamente a essência do amor e a profundidade dos relacionamentos. A série de filmes de Richard Linklater, iniciada por “Antes do Amanhecer”, é um exemplo bem-sucedido, assim como “Toda Forma de Amor”, de Mike Mills, e “Brilho de Uma Mente Sem Lembranças”, de Michel Gondry. Não é fácil chegar lá no núcleo da coisa e poucos fazem isso bem. “Somente Você”, escrito por Seth Gilbert e dirigido pelo irmão, Noah Gilbert, tenta demais e não consegue.
Ambientado no sul da França, a narrativa começa com a chegada de Tom (Caitlin Stasey), uma mulher na casa dos 30, que decide visitar seu ex-namorado depois de seis anos sem dar notícias. Tom nunca disse adeus. Ela simplesmente decidiu desaparecer. “Eu sempre disse que um dia desapareceria”, diz ela a David (Jon Beavers), justificando, embora não sirva de justificativa e nem mesmo de desculpas. Tom passou os últimos anos de sua vida viajando pelo mundo, se aventurando sozinha como se fosse uma espécie de Supertramp e desaparecendo das pessoas com quem criou vínculo nesse ínterim, incluindo uma namorada argentina com quem chegou a realizar um arrendamento.
Em um dos primeiros diálogos de “Somente Você” ela admite que é uma cretina. David diz: “Você não é uma cretina”. Mas, sim. Ela é. O filme inteiro, Tom age indiscriminadamente como uma pessoa que só enxerga o próprio umbigo e só se preocupa em satisfazer os próprios caprichos. David, por outro lado, claramente nunca deixou de amá-la e, por isso, se submete novamente à escravidão emocional. Até mesmo quando Tom abre uma das garrafas de vinho de mais de um quarto de século que David mantinha no porão para uma ocasião especial, ele encontra motivos, embora claramente decepcionado, para dá-la razão. Não apenas isso, ele termina de abrir todas as outras 11 garrafas especiais e cultivadas no porão há décadas para prová-la que ele pode ser espontâneo e divertido como Tom.
O romance dos irmãos Gilbert não é apenas cruel e glamouriza relacionamentos tóxicos. “Somente Você”, no Prime Video, é também entediante e monótono. Ele tenta, sem sucesso, seguir a receita da série de Linklater, com diálogos intermináveis e supostamente profundos. Em uma das cenas finais, Tom explica o motivo de ter voltado. Seu pai morreu recentemente e, se não tivesse tido filhos, não teria ninguém em seu velório. Isso a fez pensar sobre a solidão. Tom passou a temer que, embora tivesse vivido de tudo, chegaria ao fim da vida sem o mais importante: o amor.
O problema é que novamente ela está olhando para o próprio umbigo. Seu medo é não tem ninguém em seu velório. Ninguém para compartilhar os últimos dias de sua vida. Ela não está pensando em David, nas implicações emocionais de seu retorno para ele.
Os irmãos Gilbert tentam criar uma protagonista que seja uma manic pixie dream girl e, no fim das contas, criam uma personagem ainda mais vazia, megalomaníaca e ególatra. Alguém que não se importa com absolutamente nada além de si própria. Mulheres podem ser independentes sem serem vazias, cretinas e egocêntricas, mas os homens ainda não entenderam como escrevê-las.
Filme: Somente Você
Direção: Noah Gilbert
Ano: 2020
Gênero: Drama/Romance
Nota: 7