As mulheres demoraram muito tempo para alcançar posições que deveriam ter sido delas desde sempre, não fosse a cultura profundamente enraizada, que em várias partes do mundo, as designa para o cuidado do lar, dos filhos e todas as responsabilidades desse universo sem fim, arruinando rapidamente qualquer ilusão romântica e, inevitavelmente, afetando suas possibilidades de retorno ao ambiente corporativo. O dito popular afirma que acordos bem cumpridos não custam caro, e se uma mulher opta de boa vontade pela vida doméstica, que seja feliz nela.
Porém, se o envolvimento amoroso acontece quando sua carreira está decolando, como no caso de Emily, protagonista de “Jogo Justo” (2023), e ela se vê obrigada a pousar devido à intimidação velada de quem deveria apoiá-la, qualquer chance de felicidade desmorona no duro chão da realidade. Emily, no filme de Chloe Domont, enfrenta uma situação ainda mais complicada, pois seu relacionamento com Luke começa num cenário repleto de desafios, depois de quebrarem uma regra que tinham concordado, sem prever que seriam diretamente impactados.
Após uma estreia promissora no Festival Internacional de Cinema de Toronto em 7 de setembro de 2023 e uma passagem pelo Sundance, voltado para cineastas iniciantes, o primeiro longa de Domont é uma produção bem executada, sem grandes pretensões, mas agradável. Todos percebem que o relacionamento entre Emily e Luke, interpretados por Phoebe Dynevor e Alden Ehrenreich, está fadado ao fracasso.
O encanto de “Jogo Justo” está em antecipar quando ocorrerá a virada e sua intensidade, com a quase certeza de que a justiça do jogo será a favor dela. O roteiro apresenta Emily, uma analista financeira em uma grande empresa em Manhattan, fumando sozinha no terraço enquanto uma festa acontece dentro do prédio. Felizmente, ela não está prestes a pular, mas Luke, seu desiludido príncipe, a resgata, levando-a de volta ao centro das atenções, inclusive chamando a atenção do tio dele, interpretado por Jim Sturgeon, que a elogia de maneira um tanto constrangedora. Antes que Luke possa complementar os elogios do tio, a cena muda para Emily e Luke no banheiro, onde, de maneira intensa, Luke a pede em casamento.
A mudança de cenário, onde os personagens de Dynevor e Ehrenreich começam a se confrontar devido à ascensão repentina de Emily, causa um esfriamento na narrativa, mas isso pouco importa. O objetivo de histórias assim é testar os limites do espectador, provocando-o de diversas maneiras até que o clímax planejado por Domont atinja todos — Emily, Luke e a audiência. Esta intenção de desafiar o público evidencia nosso interesse pelo lado mais feroz dos outros, especialmente quando há sexo envolvido.
As trapaças corporativas perdem força, estabelecendo “Jogo Justo” como uma sátira afiada sobre os problemas emocionais de casais, ricos ou pobres, bem-sucedidos ou não. Dynevor e Ehrenreich, além de talentosos, são atraentes, conflituam-se na medida certa e, talvez, se amem. Isso fica claro na conversa final deles, marcada por sangue.
Filme: Jogo Justo
Direção: Chloe Domont
Ano: 2023
Gêneros: Drama/Mistério/Suspense/Erótico
Nota: 8/10