Apesar das complexidades da existência, há uma verdade inegável que permeia o dilema entre vida e morte: diante da adversidade, a maioria de nós opta pela vida, mesmo cientes da presença constante da inevitável finitude.
Num relato impregnado com a típica atmosfera de Stephen King, o diretor John Lee Hancock desvenda as obsessões de um dos mestres do terror, explorando facetas menos conhecidas do autor. “O Telefone do Sr. Harrigan” preserva a essência da escrita de King, enquanto mergulha em territórios mais sombrios e perturbadores do que muitas outras de suas obras adaptadas para o cinema.
A adaptação de Hancock do conto homônimo de King — parte da coletânea “If It Bleeds” (2020), que inclui também “Rato”, “Se Sangra” e “A Vida de Chuck” — explora a relação entre um garoto e o enigmático Sr. Harrigan, interpretado magistralmente por Donald Sutherland. Situada numa pequena cidade do Maine, terra natal do próprio autor, a trama segue a vida de Craig após a perda de sua mãe para o câncer, deixando-o e seu pai deslocados num ambiente hostil.
Harrigan, um bilionário recluso, observa o potencial de Craig e oferece-lhe um trabalho peculiar: ler para ele em sua mansão todas as terças-feiras. Esse acordo peculiar desencadeia uma relação complexa entre os dois, proporcionando a Craig acesso a um universo literário desconhecido e a Harrigan uma conexão com o mundo exterior.
Ao longo dos anos, a dinâmica entre Craig e Harrigan evolui, com Hancock habilmente tecendo uma narrativa sutil e envolvente. O filme explora temas como amadurecimento, lealdade e as complexidades das relações humanas, sem nunca perder de vista o aspecto sombrio e enigmático que permeia a obra de King.
“O Telefone do Sr. Harrigan” pode surpreender os fãs tradicionais de Stephen King, afastando-se das convenções típicas do gênero. No entanto, essa ousadia é também sua força, capturando a essência idiossincrática do autor de maneira singular e envolvente.
Essa abordagem única pode desconcertar os espectadores acostumados com as adaptações mais convencionais das obras de King, como “1922” (2017), dirigido por Zak Hilditch. No entanto, é justamente essa singularidade que torna “O Telefone do Sr. Harrigan” uma obra fascinante.
O filme mergulha nas profundezas da psique humana, explorando temas universais com uma sensibilidade peculiar. A relação entre Craig e Harrigan transcende o convencional, evoluindo para algo que vai além de mentor e aprendiz, avançando para um terreno mais sutil e complexo.
Além disso, “O Telefone do Sr. Harrigan”, na Netflix, oferece uma reflexão sobre a passagem do tempo e a natureza efêmera da vida. As mudanças na dinâmica entre os personagens ao longo dos anos refletem as transformações inevitáveis que ocorrem em todas as relações humanas.
Com uma narrativa envolvente e performances cativantes, o filme convida o espectador a adentrar um universo de mistério e intriga, onde as fronteiras entre o real e o imaginário se dissipam. É uma obra que desafia as expectativas e reafirma o talento tanto de Stephen King quanto de John Lee Hancock em criar narrativas profundamente envolventes e perturbadoras.
Filme: O Telefone do Sr. Harrigan
Direção: John Lee Hancock
Ano: 2022
Gêneros: Drama/Terror
Nota: 8/10