O cinema espanhol, reconhecido por sua consistência e qualidade, continua a surpreender o público com produções que refletem um cuidado artístico singular. “Viver Duas Vezes”, dirigido por María Ripoll e lançado em 2019, é mais um exemplo dessa excelência cinematográfica, embora possa ser criticado pela sua brevidade em explorar seu conflito central.
O filme narra a história de Emilio, um professor aposentado de matemática que, aos setenta anos, é diagnosticado com Alzheimer. Interpretado pelo talentoso Oscar Martínez, Emilio se vê imerso em um dilema pessoal ao decidir reviver uma paixão do passado em meio à descoberta de sua doença. Martínez, conhecido como um dos grandes nomes do cinema espanhol, entrega uma performance impressionante, dando vida a um personagem complexo e emotivo.
Ripoll opta por uma abordagem não linear, intercalando flashbacks da juventude de Emilio com sua jornada atual, criando uma narrativa que é ao mesmo tempo poética e nostálgica. A fotografia granulada de Núria Roldos adiciona uma camada adicional de profundidade às cenas do passado, enquanto o presente é marcado pela luta de Emilio para manter sua identidade e independência diante da doença.
Ao lado de Emilio está sua filha Julia, interpretada com maestria por Inma Cuesta, que se vê confrontada com o desafio de lidar com a deterioração da saúde de seu pai. O relacionamento entre pai e filha é um dos pontos centrais do filme, explorando temas de família, amor e aceitação.
“Viver Duas Vezes” é uma jornada emocionante que examina a natureza da memória e da identidade, enquanto Emilio embarca em uma busca nostálgica por uma paixão perdida. O filme aborda questões profundas sobre envelhecimento, relacionamentos e o desejo humano de redescobrir momentos passados. É um testemunho da resiliência do espírito humano e da beleza encontrada na jornada da vida, mesmo quando enfrentamos os desafios mais difíceis.
Ao longo do filme, acompanhamos Emilio em sua jornada rumo à sua terra natal, Navarra, em busca de Margarita, sua antiga paixão juvenil. Acompanhado por sua filha Julia e seu genro Felipe, interpretado por Nacho López, Emilio enfrenta desafios tanto físicos quanto emocionais durante a viagem.
Ripoll transforma o filme em uma espécie de road movie, repleto de momentos marcantes e impagáveis. A chegada à antiga casa de Margarita, apenas para descobrir que ela já não mora mais lá, é um desses momentos que misturam humor e melancolia. A ajuda inesperada de Angustias, interpretada por Mamen García, adiciona uma camada de leveza e comicidade à narrativa.
À medida que a viagem avança, Emilio confronta sua própria mortalidade e a efemeridade da vida. O reencontro com Margarita, embora breve e irreal, permite a Emilio reviver momentos de sua juventude, mesmo que apenas por um instante. No entanto, como em “O Cidadão Ilustre”, o personagem é confrontado com a dura realidade de que o passado não pode ser recuperado.
O desfecho do filme é tanto comovente quanto esperançoso, destacando a importância de valorizarmos o presente e os relacionamentos que temos enquanto podemos. “Viver Duas Vezes” é uma reflexão poética sobre a memória, o envelhecimento e o poder transformador do amor e da família.
O filme de María Ripoll é um tributo à vida e às escolhas que fazemos ao longo dela. Com performances excepcionais, uma narrativa envolvente e uma direção sensível, “Viver Duas Vezes”, na Netflix, é uma obra que ressoa com o público muito além da tela, deixando uma marca indelével na alma daqueles que a assistem.
Filme: Viver Duas Vezes
Direção: María Ripoll
Ano: 2019
Gêneros: Comédia/Drama
Nota: 9/10