Traição não dói. O que dói é saber que não satisfazemos o outro

Traição não dói. O que dói é saber que não satisfazemos o outro

Das desgraças da vida, a pior delas é a traição. Mais miserável do que a pobreza. Mais triste do que a fome. Mais doída do que o amor que nós temos de sobra quando o amor do outro acaba. A traição é uma espécie de tragédia que acontece sem avisar. Quando a gente menos espera, um desastre natural desmorona diante dos olhos e dentro do peito. Taquicardia, falta de ar, crise de choro, de fúria, de culpa. Mas espera aí. Crise de culpa? E desde quando aquele que foi traído tem culpa pela traição? Se existe algo por que ninguém tem responsabilidade é ter sido passado para trás.

Parte-se do princípio de que quando uma pessoa engana a outra é porque ela se sente superior e, portanto, está no seu “direito” de fazer o que bem entende. Julga que o seu parceiro é menor, mais frágil, dependente, e até mesmo incapaz de lidar com a verdade, seja ela a falta de amor ou o amor por outra pessoa, a necessidade de provar o novo ou o cansaço de uma relação sufocante e costumeira. Sobram justificativas para fundamentar por que as pessoas traem os seus companheiros. Mas independente dos seus motivos e desculpas, uma coisa é certa: não tem culpa alguma o sujeito iludido.

O mais frustrante em uma traição é que ninguém tem o poder de decidir sobre a conduta alheia, nem tem nas mãos o domínio sobre as decisões do outro. Ser traído está fora do controle de qualquer um. É a vontade de alguém que foge à nossa vontade. É a mentira materializada, o pecado, a sobreposição do “errado” sobre o “certo”. É um conjunto de fatores que, no fim das contas, é mais interessante e importante que nós e o nosso comprometimento. Não importa a profundidade do seu amor ou o tamanho da sua entrega. Tanto faz o passado construído tijolo por tijolo, noite após dia, debaixo de chuva e sol. O futuro planejado e reservado a dois perde a sua relevância diante do prazer do agora.

Já ouvi dizer muitas coisas sobre a fidelidade. Inclusive que o homem fiel é aquele que ou é preguiçoso ou ainda não teve a oportunidade de trair. Para Nelson Rodrigues, o amor não existe sem traição, uma vez que “amar é ser fiel a quem nos trai”. Dizem, também, que amor nenhum resiste e sobrevive sem umas doses de novidade vez ou outra. Já os românticos afirmam que quem ama não trai. Entre a corda bamba do certo e do errado, a gente deveria escolher a fidelidade a nós e aos nossos princípios.

Para que a traição não fosse tão cruel, o amor deveria ser mais puro, e não amor-compromisso-obrigação-exclusividade. Para que a traição não doesse, ou não doesse tanto, seria preciso nos libertar do sentimento de posse, já que o adultério está diretamente ligado ao comprometimento e ao monopólio. Aliás, não é a traição que dói. O que dói é constatar que não satisfazemos o outro. Nós e a nossa mania de monopolizar tudo e todo mundo…