Ninguém melhor que os gregos para rirem de suas tragédias. Após esse necessário respiro, tomado o fôlego que revigora, aquele povo não se furta a encarar pelejas, batalhas, guerras — as fraticidas, inclusive —, e arranca da vida as revoluções, as metamorfoses a que julga ter direito, e nisso também poucos os superam, desde Clístenes (565 a.C. – 492 a.C.). O pai da democracia, esse preceito falho, injusto, MOROSO, e assim mesmo superior a qualquer outra doutrina de administração pública sobre a qual se possa elucubrar, ficaria orgulhoso de seus patrícios neste tresloucado século 21, para o bem e para o mal um tempo especialmente incerto, belicoso, suscetível a ventos de través que deságuam em tempestades mandadas pelo próprio Posêidon.
Em “Jogo do Poder”, Costa-Gavras captura o espírito de sua época, uma quadra não necessariamente cronológica, muito mais anímica, e, claro, não tarda a aplicar suas percepções em seus filmes, o que vem fazendo com relativo êxito há mais de meio século. É preciso, contudo, uma dose generosa de boa vontade para apreciar as intenções do veterano, dedicado a esventrar uma das rupturas político-econômicas mais impactantes da história da Grécia, hoje uma nação próspera, mas escaldada quanto a possíveis novas tentativas de se reinventar a roda.
O caráter hagiográfico de “Jogo do Poder” não demora a se fazer notar. A trajetória inconstante de Yanis Varoufakis, o ministro das Finanças do governo Aléxis Tsípras, concorre para a análise profunda das medidas adotadas pelo chefe de governo em meados de 2015, quando, numa rodada de negociações vedada à imprensa e economistas independentes, decidiu-se pela saida da Grécia da União Europeia, o chamado Grexit. Com isso, Tsípras, primeiro-ministro grego entre 26 de janeiro e 27 de agosto de 2015 e de 21 de setembro de 2015 até 8 de julho de 2019, pretendia sustar o pacto internacional costurado com os demais países que integram o bloco e reconsiderar tratativas anteriores quanto a ter de volta, em prazo menor, restos da dívida com a UE, manobra arriscada e de consequências imprevisíveis sobretudo, por evidente, para os pequenos e médios empresários.
A visão desabridamente messiânica dispensada a Varoufakis, interpretado com dignidade e arrojo cênico por Christos Loulis, se explica com risível facilidade: o próprio ex-ministro assina o roteiro, baseado em sua autobiografia “Adults in the Room” (“adultos na sala”, em tradução literal) — cujo subtítulo grandiloquente e autoelogioso remete a uma certa “batalha contra os sistemas europeu e americano profundos”, em tradução livre —, junto com o diretor, o que diminui muito a vontade de se levar o filme a sério, conquanto a pesquisa cartesiana de Costa-Gavras, já colocada à prova em “Z” (1969) e “Estado de Sítio” (1972), redima o pendor laudatório de seu trabalho. O cineasta, um progressista que consegue deixar insatisfeitas a esquerda e a direita, aqui paga um tributo exagerado e um tanto constrangedor ao político, aquela espécie de utopista que derrete PIBs e lança milhões à indigência numa canetada.
Filme: Jogo do Poder
Direção: Costa-Gavras
Ano: 2019
Gêneros: Drama/Biografia
Nota: 7/10