Três vezes Woody

Nos últimos dias fui perseguido por fantasmas dos filmes de Woody por três vezes. Na primeira delas, eu praticava meu atual esporte predileto — criticar a imprensa — num restaurante em Brasília. Éramos dois médicos e uma psicóloga “contra” um jornalista, professor da PUC Campinas. O placar estava folgado a nosso favor, quando ele, acuado, sacou da cartola, Marshall MacLuhan. Na hora me lembrei da maravilhosa cena do excepcional Annie Hall, em que um cidadão emite suas opiniões sobre Fellini em voz alta na fila do cinema. Alvy Singer (Woody) se irrita e reclama, daí o sujeito saca Marshall MacLuhan.

Acontece que o próprio estava por ali, e é puxado à cena por Alvy, desmontando o cidadão inconveniente, que era professor de TV, Mídia e Cultura, e por isso tinha um “grande insight” acerca da obra de MacLuhan: — Eu ouvi o que você falou. Você não sabe nada de meu trabalho. Você quer dizer que toda minha falácia está errada! Como você chegou a dar curso de qualquer coisa é inacreditável! (Vejam a cena aqui.)

Diz a lenda que Woody queria Fellini, mas não deu, se virou com MacLuhan. Saquei, eu próprio essa cena para nosso jornalista, que não a conhecia e ficou curioso a respeito.

A segunda vez foi contra mim mesmo. Conheço um cidadão que é um fdp em arte. Um puta ator e um puta artista plástico. Já comentei, não me lembro se por aqui ou n’O Popular, sua performance de “Os Males do Tabaco” (ou “Sobre os Males do Fumo”), de Tchékhov (ou Chekov, Chekhov, enfim, transpor esses nomes russos pro português não é fácil), que é, todo mundo sabe, até crianças no jardim de infância, o melhor dramaturgo que já existiu (e o segundo melhor contista). Mas “Sobre os Males do Fumo” sempre me pareceu uma sua obra menor, bobinha (bobíssima, pra falar a verdade). Até ver Duca (Carlos Eduardo Rodrigues é seu nome) interpretar o protagonista, num aniversário na casa de Marcos Fayad. Fiquei duplamente surpreso, pois até então não o tinha visto interpretar, mas fiquei surpreso mesmo foi com as cores que a peça ganhou. Senti-me, então, um imbecil, por não ter alcançado, só com a leitura, a genialidade dessa aparente peça menor. Mais recentemente, tive o prazer de ver seus quadros. Tenho até um deles comigo, logo à entrada de minha casa. Outro dia, Duca me enviou dois de seus últimos quadros por e-mail, Hamlet e Édipo. O Édipo tem um detalhe que achei genial — está escrito em sua camisa “Not Guilty”. Camisa?!? Duca ficou bravo comigo, não era uma camisa, era uma túnica! Foi quando me lembrei da segunda cena woodyalleniana. Em “Hannah e Suas Irmãs”, Max von Sydow, um dos atores preferidos de um dos discípulos mais aplicados de Allen, Ingmar Bergman, é um pintor excêntrico, bastante sensível quanto a sua obra de arte. Quando Elliot (Michael Caine), procurando se aproximar de Lee (Barbara Hershey), leva um astro do rock Dusty (Daniel Stern) para comprar seus quadros e se mostra com a sensibilidade de um elefante numa loja de cristais (ah, os clichês, como nos são úteis), insistindo que fosse lá o que lhe mostrassem, que tinha de ser grande, pra poder preencher o espaço em sua sala. Pois eu e minha “camisa” tivemos o mesmo efeito. Ferimos irremediavelmente a sensibilidade de Duca. Bom, de toda forma, ele fará uma exposição dia 30 de agosto, a partir das 19 horas, na Justiça Federal de Goiânia. Vão lá e me digam se aquilo é uma camisa ou uma túnica.

A terceira vez foi outra cena de “Hannah e Suas Irmãs”. Enquanto me submetia a uma pequena cirurgia para retirada de uma pinta do pescoço, e com a lembrança de que teria de levar o material para o anátomo-patológico, me lembrei na hora de Mickey, o personagem hipocondríaco de Woody nesse filme.

PS: Uma curiosidade: O livro que Hannah lê na cama na cena em que Elliot contempla contar sua traição com Lee, sua irmã, é “Summer Situations”, de Ann Birstein. São três contos longos, o primeiro sobre traição da esposa, o segundo sobre um enteado chato e o terceiro sobre vida em Paris e paixão pela ex-professora de filosofia. Em todas os personagens são intelectuais. Surpresos?