Fenômeno de bilheteria, comédia mais amada de todos os tempos está na Netflix Divulgação / Dimension Films

Fenômeno de bilheteria, comédia mais amada de todos os tempos está na Netflix

Depois de certa idade, sente-se que extremos ficam cada vez mais próximos. Tornam-se pateticamente mais comuns as situações em que a beleza tem sua porção de trágico, o monstruoso ganha tons menos sombrios e o horror, essa condição imanente a tudo quanto diga respeito à jornada humana, também pode ser cômico. É verdade que nesse quesito “Todo Mundo em Pânico” carrega nas tintas, mas chega a ser óbvio que, decantado o excesso, podem-se tirar algumas lições de um enredo cuja força está mesmo na subversão, além de, claro, se obter entretenimento genuíno sem grandes pretensões. O diretor Keenen Ivory Wayans consegue enfiar os dois pés na jaca do slasher farofa enquanto vai dosando medidas de suspense num conto de mortes absurdas, epílogo de tramas que, ninguém duvida, de fato só acontecem em filmes dessa natureza. Todavia, qualquer um é igualmente capaz de apreender a verdadeira intenção de produções assim, que desafiando a lógica, falam-nos de um dos temas mais cristalinos que podem existir. 

São possíveis análises sob um vasto leque de perspectivas, mas quem gosta mesmo de experiências como a que “Todo Mundo em Pânico” oferece está, por evidente, pouco interessado em elucubrações filosóficas sobre produtos destacadamente comerciais — malgrado, repita-se, elas tenham vez. Além do diretor, há outros Wayans envolvidos na carpintaria do filme, para não mencionar o elenco, no qual a mistura de talento e uma bem-vinda falta de conceito resulta em passagens que, convenhamos, não cabem em qualquer lugar. A assumida referência a longas a exemplo de “Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado” (1997), dirigido por Jim Gillespie, aparece nos diálogos, abobalhados e, às vezes, hilariantes, o que cai como uma luva aqui. A vocação satírica do filme é acentuada justamente por tudo ter relação com sangue, eventos funestos, morte, como se as atividades mais prosaicas recomendassem o máximo de cautela. “Todo Mundo em Pânico” inaugura uma bem-sucedida franquia disposta ao longo dos anos 2000, exibida com alguma regularidade, embora do quarto para o quinto e último episódio se passem sete anos, uma eternidade não só para os fãs, mas para a frágil linha narrativa — apesar de tudo, rigorosamente tudo caber em enredos como esses, até (ou em especial) comentários jocosos e mesmo despudorados sobre novos clássicos do terror psicológico feito “O Sexto Sentido” (1999), de M. Night Shyamalan. Personagens como Brenda e Drew Decker, de Regina Hall e Carmen Electra, garantem a medida exata de nonsense e escracho, sem falar no Ghostface, o assassino com a máscara de susto e desespero calado à Edvard Munch (1863-1944) na série “O Grito” (1893), inscrita para sempre na imensa montanha de bugigangas e registros descartáveis que é a cultura pop. E, desse modo, o show não para.


Filme: Todo Mundo em Pânico
Direção: Keenen Ivory Wayans
Ano: 2000
Gêneros: Terror/Comédia
Nota: 7/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.