Há muito mais que uma consoante a separar Hollywood, Bollywood e Nollywood, as indústrias cinematográficas dos Estados Unidos, da Índia e da Nigéria, respectivamente. No caso desta última, histórias com vívido teor moralizante, aplicado de forma quase tão árida quanto a paisagem em que se ambientam, movem-se da tradição oral para roteiros de nítida elaboração semiótica, onde cada elemento cumpre uma função bastante específica, nada é gratuito, atores estão ligados ao que se passa em cena de modo umbilical e pode-se enxergar um quase diáfano propósito de educação para além da mera formalidade. “Diamantes do Caos” observa com rigor todas essas regras tácitas da boa narrativa africana, apostando com convicção num enredo que, sem dúvida, qualquer um é capaz de absorver. Kunle Afolayan parece nutrir uma obsessão por aqueles temas que condicionam o gênero humano a artífice de sua própria jornada, o que, quando levado a sério, é a maior aventura a que alguém pode se lançar. Em “Diamonds in the Sky” (2019), o diretor já investigava a força que dilemas éticos podem exercer numa família colhida pela iminência de um acontecimento funesto. No novo trabalho, quatro jovens amigos são engolidos pela nuvem de infortúnio materializada a partir de um evento à primeira vista alvissareiro, mas que se revela o prólogo de uma tragédia que lhes atira ao rosto verdades incômodas.
Sutileza é um traço indelével do talento de Afolayan. O diretor e Tunde Babalola expõem no roteiro boas alegorias que juntas erigem construções descritivas e semânticas arrojadas, que se comunicam com o que se vai assistir do segundo ato em diante. Muito antes de despontar o sonho de uma existência menos limitada e muito mais auspiciosa, surge na tela uma retroescavadeira a percorrer um terreno baldio no meio do nada. Duas estradas cortam um campo vasto e um plano geral esclarece: a economia e muito da vida social da região dependem de um próspero garimpo na zona rural de Oyo-Oke, no sudoeste da Nigéria, no qual uma homens de todas as compleições misturam-se ao barro do chão na ilusão de ganhar dinheiro o bastante para voltarem ao que tinham sido um dia. Pela boca de uma sacerdotisa tribal, fica-se sabendo que os antepassados da comunidade abençoaram o povo com uma reserva de minerais e pedras de grande valor mercadológico, daí os diamantes do título. O espírito de Oranmiyan instrui os exploradores da terra que conquistara com tanto sacrifício a enterrar uma parte do butim, como uma oferenda em sua memória. É o que faz o personagem de Yemi Sodimu e é assim que Jamiu, Oby, Prince e Ranti sentem próxima a chance de bater a pobreza de uma vida sem horizontes, condenada a repetir-se por mais que os garotos lutem contra as várias limitações que os exilam num mundo cinzento e triste.
Jamiu, o mais velho, queria ir viver no Benim, mas como um dos donos das pedras, se dá ao luxo de sonhar com uma existência menos sufocada na Nigéria mesmo. No segundo ato, Afolayan leva o público a mergulhar no subconsciente do personagem de Fawas Aina e em seu ambíguo desejo de crescer, sua angústia por se destacar, que o arruína, embora seja Prince quem receba o pior castigo. Na transição para o encerramento, o diretor ilumina a presença de Adunni Ade na pele de Chidera, a dona do tesouro, determinada a reaver o que valia vinte milhões de nairas, mas foi vendido por dez vezes menos. Não por acaso, os pontinhos luminosos têm um fim desditoso pelas mãos de Oby, que não concorda com Marilyn quanto à afinidade incondicional entre diamantes e moças.
Filme: Diamantes do Caos
Direção: Kunle Afolayan
Ano: 2023
Gêneros: Drama/Suspense/Coming-of-age
Nota: 8/10