Não adianta ir à igreja e não cumprimentar o porteiro

Não adianta ir à igreja e não cumprimentar o porteiro

Alguém pode ser  exímio conhecedor da palavra, um grande  entendedor dos livros sagrados, ter a língua afiada com as passagens das sagradas escrituras. Alguém que pensa ser fiel, irmão, que prega no templo ou na rua, que doutrina os nossos ouvidos com  sua convicção inflexível. Alguém, tão pecador quanto eu. Isso mesmo, meu caro. Suas rezas em brado não irão livrá-lo das precariedades humanas.

Pior do que aquele que faz tudo errado, na sua congênita ignorância, é quem, por conveniência matreira, anda fora dos trilhos, mesmo consciente do bem e do mal. Na verdade, pouco importa a crença fanática do sujeito. Ele é apenas um ser imperfeito, assim como eu e você. A única diferença é que ele faz propaganda enganosa de si mesmo e, presumivelmente, atribui um peso maior aos sacrilégios alheios.

Veja bem, antes de tudo entenda que esse texto não tem cunho religioso ou moral. Até porque não são as religiões que nos fazem melhores ou piores, e sim o que fazemos por nós e para os outros. Aliás, John Lennon já tinha cantado essa pedra antes: imagine um mundo sem religião? Audaciosamente, acrescento: imagine um mundo sem pecado?

Existem duas certezas nessa vida. A primeira, é que todos nós vamos morrer um dia. Se iremos ao céu com voo direto ou se faremos escala no inferno, essa é uma charada que não tenho a menor pressa em desvendar. Até porque céu e inferno podem ser apenas uma grande piada de salão.

A segunda evidência é que somos todos pecadores. E, inclusive, reitero: sabemos que pecamos, ainda que não saibamos identificar todos os pecados nem classificar o tamanho e a relevância de cada um deles. Burlamos o nosso termômetro sagrado, negociamos com o nosso Todo-Poderoso interior. Tentamos recompensar a infração com um ato — premeditado — de bondade, na esperança da salvação, no propósito de terminar com saldo positivo o fechamento de contas do dia.

Mas, o que é, de fato, pecado? Muito bem. O significado primário da palavra “pecar”, encontrado nas escrituras originais, imprimia o sentido de “errar o alvo”. Ou seja, desacertar os propósitos de Deus. Oscar Wilde, entretanto, foi certeiro quando disparou que “não há outro pecado além da estupidez”. Realmente. Os estúpidos devem pertencer ao gênero de delito original.

Mas, e nós, pobres errantes, supostamente condenados à passagem pelas chamas? O que nos resta a fazer, então: Culpar Adão e Eva e a maldita serpente pelas nossas mazelas? Ou nos agarrar ao lampejo de credo entre o bem o mal, tentando, no fim das contas, ser mais bom do que mau? Nos resta a intenção profana de chamuscarmos apenas a barra da saia.

Ao longo do tempo, várias analogias surgiram em torno do pecado e suas consequências. Maquiavel, por exemplo, teve a sua cota de irreverência quando disse: “Quero ir para o inferno, não para o céu. No inferno, gozarei da companhia de papas, reis e príncipes. No céu, só terei por companhia mendigos, monges e apóstolos”. Depois, Schopenhauer chegou à conclusão que “após o homem ter posto todo o sofrimento e tormento no inferno, nada restou para o céu senão o tédio”.

Nietzsche já sabia que se a vida lhe desse limões, ele faria uma baita limonada — quiçá, uma boa caipirinha — quando afirmou que “o idealista é incorrigível: se expulso do céu, faz um ideal do seu inferno”. Bem ao estilo “quem não tem tu, vai tu mesmo”. Já Mark Twain, resumiu toda a importância desse texto na máxima de que “as pessoas que me dizem que eu vou para o inferno e elas vão para o céu de certa forma deixam-me feliz de não estarmos indo para o mesmo lugar”.

Certo estava Chico Buarque, que quis inventar o próprio pecado e morrer do próprio veneno. Ao que tudo indica, o nosso amigo Chico preferiu não se bronzear no andar de baixo e, sim, macular do seu devido gozo aqui no térreo mesmo.