Romance da Netflix é o filme mais assistido do momento em 120 países Rob Baker Ashton / Netflix

Romance da Netflix é o filme mais assistido do momento em 120 países

No universo literário, a efemeridade do amor foi muitas vezes debatida. Em uma análise sutil, Vinicius de Moraes, através de sua poesia, questiona se o amor pode realmente permanecer eterno, considerando que tudo o que é ardente eventualmente se esvanece. Em contrapartida, o inconfundível Nelson Rodrigues, sempre com seu tom dramático e assertivo, proclamava que um amor que se extingue nunca foi genuinamente amor.

Entre essas duas perspectivas, a adaptação de Vanessa Caswill para “Amor à Primeira Vista”, inspirada em “A Probabilidade Estatística do Amor à Primeira Vista” (2011) de Jennifer E. Smith, luta para encontrar seu espaço. O romance de Smith, embora repleto de aspirações literárias, acaba por se perder em reflexões superficiais sobre a complexidade do sentimento amoroso. No entanto, as falhas mais notáveis da película emergem em aspectos menos abstratos, evidenciados durante seus 90 minutos.

Uma voz de mulher informa que vinte de dezembro é o pior dia do ano para se viajar a partir do Aeroporto Internacional John F. Kennedy, em Nova York. Os mais de 193 mil usuários que chegam e partem nesse dia, subindo e descendo nas escadas rolantes onde disputam espaço com as imensas bagagens que sem dúvida multiplicam esse número por, pelo menos, três, provocam atrasos de, em média, 123 (será que veio daí o nome daquela empresa?) minutos no check-in e de até 117 minutos na inspeção de segurança. Hadley Sullivan corre contra o tempo para embarcar no voo para Londres, mas o atraso de 240 segundos é muito mais do que a falsa eficiência das companhias aéreas pode suportar. Completam a aeronave 367 passageiros, 412 malas, 340 artigos de mão, quatro animais (junto com as malas, algo a ser revisto com urgência) e 62 almofadas de pescoço, forçados a compartilhar o mesmo ambiente claustrofóbico e respirar o mesmo ar rarefeito por longuíssimas seis horas e 47 minutos.

Todo esse detalhamento no roteiro de Katie Lovejoy só para explicar que Hadley, a mocinha de Haley Lu Richardson, está prestes a encontrar o amor de sua vida, mas como se vai ver, a história de sonho de uma noite de verão tem quase tem muito pouco — é muito barulho por nada, e só. Já se tornaram uma espécie de cânone nesse subgênero a menção, velada ou nem tanto, a Shakespeare que, não duvido que desse sua bênção ao trabalho de Caswill. A grande questão é que as expectativas, mesmo do espectador mais leigo e menos ranzinza, jamais se confirmam.

A despeito da aprazível harmonia das coincidências, que fazem com que Hadley conheça Oliver, o viajante que, como ela, também não decola, tudo se esboroa no lero-lero dos diálogos fáceis, extremamente fáceis, para serem consumidos, digeridos e descartados entre um e outro momento livre — e que todos sabemos onde vai dar. Ben Hardy consegue a proeza de ser ainda menos convincente que Richardson, mas leva a vantagem de aparecer menos.

“Amor à Primeira Vista” tem seu público, claro, assim como os livros de Smith. É bonitinho, mas quem já se viu romanticamente enredado para valer sabe que o amor é feito a vida, cheio de som e fúria. Talvez parecido com um baile a fantasia que serve de funeral antecipado para personagem, no miolo do filme.


Filme: Amor à Primeira Vista
Direção: Vanessa Caswill
Ano: 2023
Gêneros: Romance/Drama
Nota: 8/10