Em “Jogos Vorazes: A Esperança — Parte 1”, o mundo — ou o que resta dele — vai se tornando um enorme caldeirão de injustiça e ódio ao passo que sua salvadora oficial se investe da força tão típica de sua natureza a fim de tentar esquecer um pouco o caos que a rodeia e conferir sentido à própria vida, missão que, claro, esbarra nas novas conjunturas de verdadeiro terror que se anunciam quase sem se fazerem notar. Francis Lawrence encontra margem para levar a saga de Katniss Everdeen a uma esfera um tanto mais apocalíptica, retrocedendo ao filme de 2013 para lembrar que a heroína já se tomava a frente de um movimento pela emancipação de Panem, o bloco composto pelos doze distritos, influente como nunca.
Meio a contragosto, Katniss parte para cima do Capitólio, o que inspira na audiência a expectativa das incontáveis outras cenas de prélios memoráveis, nos quais cada distrito indica dois de seus residentes — os chamados tributos —, um de cada de sexo, para se lançarem nos combates que se prestam a diversão pública de gente desalentada, como ocorria nas arenas da Roma Antiga. Lawrence conserva esse espírito beligerante da pena de Suzanne Collins, autora dos livros cuja narrativa é levada à tela, acrescentando ao roteiro, assinado por ela, Peter Craig e Danny Strong, os elementos que voltam aos longas anteriores e calculando o salto para “Jogos Vorazes: A Esperança — O Final” (2015), também de sua lavra — que pode não ser o último capítulo da epopeia.
Jennifer Lawrence segue fazendo o show valer, carregando o filme sozinha em muitas ocasiões, sobretudo nos momentos em que é obrigada a interagir com Josh Hutcherson, que de uma produção para outra mostra-se mais insosso, como se tragado pela energia do papel, a que não sabe dar vazão. A mocinha vivida por Jennifer Lawrence e Peeta Mellark, seu homólogo do sexo oposto, de Hutcherson, começam a sentir os efeitos da iminente liderança de Katniss, agora na ambivalente condição de celebridade com todos os méritos, e forçada a se esconder com Peeta, fugindo da sanha retaliativa do presidente Snow.
Esse sem dúvida continua a ser o tropo que justifica toda a epopeia, e nos momentos em que o vilão de Donald Sutherland junta-se a Caesar Flickerman, o caricato apresentador do programa devotado a xeretar a intimidade dos tributos, com Stanley Tucci num dos desempenhos mais cativantes de seu versátil portfólio, de uma alegoria original sobre o que pode ser o ocaso dos tempos, “A Esperança — Parte 1” mira uma sofisticada comédia de humor sombrio, que vai agregando ao todo figuras ora inverossímeis, tal como a presidente Alma Coin, encarnada por Julianne Moore; ora involuntariamente histriônicas, caso de Gale Hawthorne, de Liam Hemsworth, seu peniqueiro oficial; e, ufa!, Effie Trinket, o necessário (e com efeito) talentoso respiro cômico de Elizabeth Banks.
O elenco de apoio, com presenças reluzentes a exemplo de Woody Harrelson na pele de Haymitch Abernathy, e Philip Seymour Hoffman (1967-2014) e seu Plutarch Heavensbee revestem “Jogos Vorazes: A Esperança — Parte 1” do verniz de obra-prima que, em essência, não é. O longa é, aliás, dedicado a Hoffman, falecido em 2 de fevereiro de 2014, nove meses antes da estreia.
Filme: Jogos Vorazes: A Esperança — Parte 1
Direção: Francis Lawrence
Ano: 2014
Gêneros: Ficção científica/Aventura
Nota: 8/10