Indicado a 6 Oscars, o filme inteligente, intenso e comovente que consagrou Brad Pitt está na Netflix Melinda Sue Gordon / Sony Pictures

Indicado a 6 Oscars, o filme inteligente, intenso e comovente que consagrou Brad Pitt está na Netflix

“O Homem que Mudou o Jogo” prova que, embora time algum entre em campo para amargar derrotas, grandes ou pequenas, seja num mero amistoso ou na final de um torneio disputado, a lei a pairar sobre toda lei, indiferente a paixões, ciências, números ou técnica, é a que faz pouco de qualquer desejo. Bennett Miller tira de “Moneyball: The Art of Winning an Unfair Game” (“bola de dinheiro: a arte de ganhar um jogo injusto”, em tradução literal, [2003]), livro-reportagem do jornalista americano Michael Lewis, uma história quase sobrenatural, que só faz sentido mesmo se analisada sob a lógica muito particular da vida. A única conclusão que se pode elaborar ao cabo de 133 minutos de um enredo a um só tempo tão próximo da verdade que incomoda e do sonho que engana é que a vida é mesmo um irônico mistério, um esporte que arranca-nos até a última gota de sangue sem garantia de troféu ou de consciência inabalada. Talvez de alguns milhões de dólares, para aqueles que entendem a real natureza do processo.

Para Billy Beane o beisebol nunca foi divertido. O que há de mais dramaticamente forte no roteiro estruturalmente aprimorado, até inovador, de Aaron Sorkin, Stan Chervin e Steven Zaillian é a agonia desse homem, para quem o esporte revela-se um salvador e um carrasco, a despeito de tudo quanto ele faça para reduzir a toxicidade dessa relação. Brad Pitt mergulha nas zonas mais enevoadas de um personagem essencialmente obscuro, ensimesmado, aflito por só enxergar da vida o seu lado prático, e volta à superfície com uma das melhores interpretações da prolífica carreira. Beane, gerente-geral do Oakland Athletics, uma equipe do centro-norte da Califórnia filiada à Major League Baseball, a MLB, a veterana das principais ligas esportivas profissionais dos Estados Unidos e Canadá. Miller ajuda o espectador a conhecer alguns detalhes do temperamento sui generis de seu protagonista em analepses brandas, onde resta implícito um dissabor por ter tido de abdicar da carreira de outfielder, zagueiro, na linguagem do futebol, no fim da temporada de 1989. Transcorrida quase uma década e meia, esse faz-tudo de luxo dos A’s finge que pôde superar a maior decepção de sua carreira alimentando a ilusão de que em algum lugar há de existir um método, uma fórmula para que a vitória seja a regra, condicionada à menor margem de erro possível e, o mais importante, sem grandes aportes financeiros. Paradoxalmente, quando entra em cena Peter Brand, o nerd gorducho recém-egresso de Yale com o passaporte para o Olimpo, Beane, por óbvio, resiste. Mas também, por óbvio, se submete.

Se até aqui a narrativa oscilara entre uma espécie de autoajuda para atletas decadentes e um melodrama mais ou menos persuasivo centrado em quarentões em apuros, Jonah Hill oferece o providencial contraponto ao desempenho de Pitt, subindo e o levando consigo. Beane ganha sua própria substância e distingue-se, afinal, de Ben Rickett — malgrado o anti-herói de “O Homem que Mudou o Jogo” tenha muito mais punch que o tipo vilanesco meio água de salsicha de “A Grande Aposta” (2015), de Adam McKay. O desfecho, inaudito como só mesmo a vida consegue ser, desautoriza um certo raciocínio misógino de que o casamento infeliz tenha colaborado para sua ruína, até porque a relação com Casey, a filha de nove anos, precocemente amadurecida de Kerris Dorsey, sempre pairou acima de seus altos e baixos no ofício. Billy Beane é um homem que se fez por si mesmo, para o bem e para o mal, em campo e fora dele. E ninguém mais que ele tem culpa nisso.


Filme: O Homem que Mudou o Jogo
Direção: Bennett Miller
Ano: 2011
Gêneros: Drama/Biografia
Nota: 9/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.