Faça um favor a si mesmo: assista esse filme encantador da Netflix e melhore seu dia automaticamente Divulgação / Netflix

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Rapidez, garra e um bacalhau enorme podem ser uma combinação insólita, mas só para quem não acredita. Essa é só a mais óbvia da pletora de conclusões que se desnovelam do enredo de “A Elefanta do Mágico”, a animação de Wendy Rogers produzida pela Netflix. Rogers parece saber muito bem a força que existe no que não se dá a ver, manifesta com todos os simbolismos em trabalhos como este. Compreende-se perfeitamente certa má vontade ao menor vestígio de histórias fantasiosas, protagonizadas por seres inanimados; entretanto, os comentários ranzinzas de adultos descorçoados, abatidos pela magia gorada de um dia após o outro, logo cedem espaço à sabedoria das crianças, fadas, duendes e elfos que nos rodeiam e nos revelam o caminho para uma terra encantada, onde nossos sonhos mais impossíveis não se cansam de esperar que renunciemos a nossa preguiça, a nossa covardia, a essa tendência natural e perdoável de se conformar com migalhas — inclusive (e principalmente) as que compõem os sentimentos que temos por mortos —, que nos salvou em tantas ocasiões. Socorre-nos o consolo de, nos momentos mais exasperantes, sentir essa criança renascer em nós e levar-nos ao reino onde nenhuma utopia é em vão.

Peter, o candidato a herói do primeiro quadro, encara de igual para igual os conflitos da adolescência, aquela fase da vida em que a infância teima em ficar, mas é vencida pela biologia e pelo tão irresistível desejo de mudar. Na versão original, a interpretação de Noah Jupe faz com que se tenha ainda mais patente a rebeldia com todas as causas do personagem central, um garoto sem dúvida solar, mas eclipsado por lances de sua história que nem ele mesmo conhece. O roteiro de Martin Hynes fornece ao espectador pistas robustas quanto ao porquê de Peter ser o que é. A diretora constrói todo o arco dramático de seu protagonista sobre um grande trauma, sobre o qual Peter, que aprendeu a pular por esperteza, tem suspeitas muito pertinentes. Habilidosa, docemente, Rogers vira a chave da euforia que até então era a tônica do filme para o tom quase sombrio que assenhora-se da narrativa, contando para isso com a fotografia sem defeitos de Gary H. Lee, que ratifica a premência de cores bem definidas e brilho, mesmo que fosco em certas horas, em filmes assim. O convívio com Vilna Lutz, um antigo soldado que pensa que a vida é uma batalha sem trégua, obnubila um tanto o horizonte de Peter, mas essa é uma estrela que brilha como a verdade.

Uma vez puxado o fio condutor de “A Elefanta do Mágico”, a trama assume seu viés filosófico com muito mais fôlego, em especial depois da sequência em que o mágico do título, dublado por Benedict Wong, reforça o leitmotiv. Feiticeiro sem talento, a apresentação de um número quase degringola em tragédia, e Wong, bem como Jupe e Mandy Patinkin na pele de Vilna, realça a agonia da figura torta a que empresta algum calor e muita emoção. Essa trinca de infelizes responde pelos movimentos arrebatadores de um filme mesmerizante, ora sereno, ora quase frenético, no qual a adorável fêmea de um paquiderme substitui o leão da máxima de Santo Agostinho (354-430) e conduz todo um povo à revelação, elementar e tão oculta, de que só pode existir sinceridade nos propósitos dos homens se, antes, houver harmonia. E ela não cai do azul.


Filme: A Elefanta do Mágico
Direção: Wendy Rogers
Ano: 2023
Gêneros: Animação/Fantasia/Aventura
Nota: 10