Filme com Noomi Rapace e Michael Douglas, na Netflix, vai te deixar sem fôlego e sem piscar do início ao fim

Filme com Noomi Rapace e Michael Douglas, na Netflix, vai te deixar sem fôlego e sem piscar do início ao fim

As profundas transformações protagonizadas por mulheres ao redor do mundo inteiro soam como apenas um devaneio um tanto enevoado se se toma por contraponto o lugar na história de onde saíram e tudo quanto puderam conquistar à custa de muito esforço e boa dose de autossacrifício. A condição da mulher nas sociedades contemporâneas talvez seja o emblema máximo quanto a demonstrar na prática as mudanças pelas quais passamos no último meio século. Se até meados dos anos 1970 ver uma mulher em cargos de chefia era como deparar-se com um marciano típico, verde e com antenas brilhantes, hoje não existe nada mais banal que verificar que por trás de megacorporações, do comércio varejista aos bancos públicos, existe um par de sapatos de salto alto, batom e terninhos de grife adornando inteligências privilegiadas. Essas guerreiras da selva de pedra foram delimitando seu território com muito trabalho, uma incalculável vontade de se provar capaz e uma apurada inclinação para a disputa, porque se sabiam em estado de franca e injusta subalternidade. Mulheres sempre trabalharam — as mulheres sem pais ou maridos que as respaldassem financeiramente, em especial —, mas de cerca de cinquenta anos para cá, desde a massificação do uso de anticoncepcionais, criados dez anos antes, a população feminina pôde, afinal, ser dona do próprio corpo e, a partir de um hábito tão prosaico, mas revolucionário, mulheres tornaram-se capazes de levar adiante seu pleito e tomar os postos de liderança para os quais estavam se preparando desde o princípio dos tempos.

Intelectuais como a filósofa francesa Simone de Beauvoir (1908-1986) deram colaborações inestimáveis para o fortalecimento da causa da mulher. Trabalhos a exemplo de “O Segundo Sexo”, lançado em 1949, e “A Mulher Desiludida” de 1967, versaram sobre os desafios de ser mulher num mundo de homens, ou sob a forma de ensaios e elaborações retóricas, como no primeiro, ou a partir de histórias curtas em que personagens femininas despojam-se de vaidades ao dividir com o leitor as agruras de casamentos desditosos. A protagonista de “Conspiração Terrorista” (2017) dá a impressão de estar meio perdida, num momento de balanço de tudo quanto pôde amealhar ao longo da carreira como agente secreta em oposição ao muito que já perdeu e continua perdendo. O diretor Michael Apted expõe a alma dessa mulher atormentada, sem muito estímulo para se permitir levar pelas supostas boas intenções de ninguém, ao passo que se decide por abandonar o serviço burocrático e tornar a suas funções na espionagem internacional, como se assim recuperasse também uma parte vital de si mesma.

Noomi Rapace faz de sua Alice Racine um Ethan Hunt de batom. O desempenho de Rapace, tal como o de Tom Cruise na franquia “Missão: Impossível”, é especialmente bom nessas histórias que demandam, além de uma interpretação que se alterna entre persuasivo e irretocável, um condicionamento físico que deixa de língua de fora gente muito mais jovem. A disposição para cascavilhar em si mesma elementos que lhe deem base para se aprofundar num personagem pleno de nuanças — como fizera sete vezes num mesmo trabalho, caso de “Onde Está Segunda?” (2017), dirigido por Tommy Wirkola — é outra das marcas da presença da atriz na tela, e em “Conspiração Terrorista” não é diferente. Rapace consegue exprimir as frustrações de sua anti-heroína, se segurando para não entregar os pontos depois de afastada do trabalho de campo, graças à falha imperdoável que degringolou num ataque terrorista em Paris em 2012, ao passo que deixa claro que retomar a carreira, em todos os seus aspectos mais movimentados, é seu grande sonho, malgrado continue a sofrer com dramas de consciência. A guinada vem sob a forma do convite feito por Eric Lasch, o ex-chefe vivido por um Michael Douglas sem brilho. Racine aceita integrar a equipe que averigua a suspeita de um ataque terrorista a Londres, coordenado pelo Estado Islâmico. O roteiro de Peter O’Brien expõe um vazio lógico interessante, que conduz a protagonista ao turbilhão de desencontros que pauta sua tarefa até o desfecho.

John Malkovich e Toni Collette entram na história de tempos de maneira protocolar, na melhor das hipóteses, como respiros dramáticos nada sólidos, tanto pior num filme de andamento incontido, quase frenético, como este. Mas ninguém consegue ser mais constrangedor que Orlando Bloom, num personagem bizarro e, para ser elegante, inverossímil. A moral do filme orbita mesmo em torno da relação que Racine passa a manter com Amjad, de Tosin Cole, que some tão rápido quanto aparece e corrobora a sina de loba solitária de uma mulher sozinha na multidão.


Filme: Conspiração Terrorista
Direção: Michael Apted
Ano: 2017
Gêneros: Thriller/Ação
Nota: 8/10